sábado, setembro 24, 2005

O POÇO DA MORTE

Depois do soco no estômago
vamos ao fundo.
Mergulhamos na água fria do lodo.
Em nosso redor
agitam-se medusas cristalinas
que os olhos não vêem.
A alma ficou lá atrás
esmagada nos tentáculos
do abraço sufocante do polvo
esventrada no sangue de lágrimas a arder
trucidada pelo peso brutal
de toneladas de aço
comboio furioso da loucura
da raiva a doer a sangrar a esvaziar
os olhos os sentidos a vida.

O que fica, é a dor
a escorrer-nos dos braços
para o chão
a manchar-nos os passos
de solidão
a encher-nos o caminho
de cores vivas
das flores das feridas
abertas
no silêncio
da despedida.

Enterramos os mortos
e espetamos mais um prego
nas mãos.
Enterramos o silêncio
a dor
ficamos de pé, parados, calados
e por dentro só bocados
despedaçados.
Enterramos os mortos
e acordamos a dor
de todas as lágrimas por chorar
e procuramos o olhar
de todos os sorrisos por sonhar
e ficamos de pé, sozinhos,
soterrados no poço
da dor
mas vivos.
Feridos, estropiados, aleijados
mergulhados na água fria do lodo
o silêncio nos ouvidos
e em redor
o brilho translúcido de medusas cristalinas
nas algas dos cabelos
as memórias que guardamos
daqueles que amamos

(Desde ontem que não faço outra coisa senão pensar em ti. Na tua dor, por mais esta perda. Mais uma. Como se a vida insistisse em cruzar a morte no teu caminho. És uma pessoa distante do meu passado, mais uma como tantas que ainda guardo com muita saudade no fundo do coração. Fiquei a saber da tua dor por uma amiga comum. Daqui, de muito longe, penso em ti, e sei que não há palavras, não há palavras que apaguem esta dor, sequer que a tornem menos brutal, mais tolerável, não há mãos para aliviar esta chaga, esta ferida no peito. E se calhar nem vais ler estas palavras. De qualquer forma, penso em ti, e se pudesse dava-te asas, e se pudesse dava-te garras, e se pudesse dava-te força para aguentares esta dor. Para te manteres viva. Se pudesse dava-te água para lavares as tuas lágrimas e flores para abrires um sorriso. Se pudesse dava-te a luz dos pirilampos para brilhar na escuridão da tua solidão. Um beijo muito grande, e muita muita muita muita muita força.)