sexta-feira, março 10, 2006

NÃO SEI

porque raio fui lembrar-me disto agora.

Foi da última vez que fomos ao hospital com o Diogo. Quando ele tirou o gesso.

Estávamos à espera de tirar o r-x, quando a porta se abriu e saiu lá de dentro uma maca.

Estava uma criança deitada nela. Um menino. Um rapaz.

Teria 12, 13, 14?

O corpo era grande e forte, ainda com a suavidade do de um menino, já com a rubustez de o de um adolescente.

Era um corpo que irradiava vida, juventude.

A cabeça estava imobilizada, o pescoço amordaçado, de cada lado das orelhas dois blocos duros de plástico, à volta do queixo e da testa uma estrutura sólida, fixa, rija, a impedir os movimentos.

Ele saiu lá de dentro, e ficou deitado, imóvel, os olhos perdidos no tecto. Os olhos claros, lindos, perdidos no tecto. Ansiosos.

Depois começou a mexer-se, as mãos procuravam aliviar a pressão no queixo, na testa, as pernas davam pequenos esticões. Não parecia ter dores, parecia mais estar a sentir-se incomodado por estar preso.

A mãe (devia ser a mãe) estava sentada, longe dele, com o olhar vazio.

O pai (devia ser o pai) estava também sentado, ao lado dela, e depois levantou-se e sumiu-se no corredor interminável.

Por fim ele emitiu um som baixinho, e a mãe acudiu prontamente. Demorou-se algum tempo junto dele, falou-lhe, e voltou a sentar-se.

E as mãos dele não paravam aquela tarfefa árdua de aliviar a pressão no queixo.

E as pernas não conseguiam descansar.

Não consegui despegar os olhos dele. Daquele corpo de criança grande, de menino quase jovem. Da sua cara, perdida entre tantos objectos duros e complicados.

De repente apeteceu-me levantar, segurar-lhe no rosto com as duas mãos, olhá-lo bem no fundo dos olhos, tomar a sua ansiedade nas mãos e dizer-lhe: "Estou aqui, querido. Vai tudo correr bem. Não tenhas medo", enquanto lhe sorria.

Mesmo que por dentro estivesse aos bocados.

E ali, tive a certeza, se ele fosse meu (mas naquele momento era. Que sensação tão estranha de familiaridade!) eu seria uma rocha. Tive a certeza de que não sucumbiria, que me ergueria em força e em solidez, em maré cheia, em vento de bonança e paz.

Mesmo que por dentro rebentasse em sangue.

Porque o amor transforma-nos, o amor dá-nos tudo aquilo que nos falta, o amor faz-nos gigantes e invencíveis e dá-nos armas desconhecidas e almas renovadas.

O amor torna-nos possíveis, torna-nos mares entre ilhas distantes, canais entre portos de abrigo, pontes entre muros escondidos de nós mesmos.

Não sei porque raio me fui lembrar disto agora.

O amor, minha querida, dá-nos a miragem de tudo o que seria possível. Possível nascer. Possível ser. Possível morrer.

Estou triste. Tão triste, minha amiga.

Fico com o teu sopro, a tua carícia, a tua miragem, e as minhas lágrimas.

Um beijo.

10 comentários:

B-Good disse...

papu, desculpa usar o teu blog, mas tou preocupada com a alex. sabes alguma coisa dela, ou pelo menos, alguma coisa que possas dizer?

B-Good disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Miduxe disse...

um beijo!

Anónimo disse...

Retrato fiel Papu.
Um retrato muito fiel.
Obrigada pelas tuas palavras que sempre chegam na hora certa.

Sabes o que estou a sentir?
Uma paz enormeeeeeeeeeeeeee !
Há coisas que não vale a pena adiar, ZÁS ! Já está.
E lembras-te? Tenho tantas tábuas para pintar ainda :))

Beijocas

Anónimo disse...

E muitas páginas em branco para escrever, escrever, escrever sem 1000 olhos dentro de mim.

e essas ninguém mas vai tirar!

papu disse...

Ó amiga, que bom encontrar-te aqui, assim, e... em paz!
Feliz? espero que sim, quero que sim.
Sempre.
Sei que estarás por aqui, comigo.
Lembras-te de um comentário que me deixaste uma vez na Lua Cheia, ainda não sabias que era eu?
Não desapareças...

Não desapareças daqui, deste meu espaço onde te conheci e onde estarás sempre. Nas palavras e no meu coração.

Um beijo

Pim disse...

Dou por mim a pensar algumas vezes como reagiria em situações semelhantes e, correndo o risco de estar completamente enganado, acho que a minha reacção seria próxima da pedra dura que, de um momento para o outro , encontra forças sabe-se lá onde... Que nunca seja preciso!

Beijokaaaaas Papu :)))

Anónimo disse...

foi uma noite fabulosa.
Tinhas toda a razão.
Incrivel como às vezes é preciso que alguém nos lembre.
Estou muito bem, acredita em mim. E já estou de mangas arregaçadas!


Um beijo
Até

papu disse...

:)

Mónica disse...

onde está a alex?