sexta-feira, março 16, 2012

Rio de sangue

Quando via a senhora Maria matar as galinhas apoderava-se de mim uma curiosidade mórbida, que por instantes afugentava o medo. As galinhas entregam-se à morte com uma rendição exausta de penas e um estrebuchar que começa por ser demente mas rapidamente se torna patético. A senhora Maria agarrava-as firmemente pelo pescoço, ocultando-lhes as cabeças pequeninas, enquanto punha um pé em cima de uma asa e, sem delongas, cortava-lhes o pescoço esguio com a faca afiada. Não era um golpe único e preciso como o que se dá aos porcos, mas vários, que abriam um caudal de sangue fresco naquela zona do pescoço onde a penugem parece mais fofa e leve. Era nessa altura que a galinha começava a estrebuchar, ao mesmo tempo que emitia um som rouco de agonia por aquilo que ainda lhe restava da garganta. A mão da senhora Maria aguentava firme todo aquele espalhafato de asas e penas enquanto o sangue ia tecendo o seu percurso irremediável até se misturar com as folhas, as ervas e a terra do chão. Por fim a única coisa que mexia era ele, o rio de sangue escuro.

1 comentário:

Pedro Ruivo disse...

Este texto, onde aparece a srª Maria, faz-me lembrar os assassínios de galináceos feitos pela srª Ana... Assassínios esses feitos a bem das nossas barriguitas.

Beijinhos