quarta-feira, fevereiro 15, 2006

OS 101 DÁLMATAS E O SILÊNCIO DOS INOCENTES

Lembram-se dos 101 dálmatas? Lembram-se dos cães de todos os jardins a ganir à lua, passando a mensagem de uns para os outros, do paradeiro dos cachorrinhos? Pois bem, essa estória não se pode ter passado em Londres. Pelo menos, esta onde vivo.

Ora, estava eu ontem à noite na cozinha, quando sou surpreendida por um ladrar canino a rasgar o silêncio da noite. Parei imediatamente o que estava a fazer, e pus-me à escuta. Um cão a ladrar? Teria ouvido bem?

Da sala chegava-me o som da televisão, e de repente novo ladrar, mais forte que o anterior. Desta vez não tive dúvidas. Era mesmo um cão a ladrar!

E então?, estão vocês a pensar. O que é que um cão a ladrar tem assim de tão especial? Eu explico: sabem aqueles sons de fundo que não nos deixam usufruir do silêncio, que a gente às tantas confunde com o silêncio quase sem nos apercebermos, e que só damos por eles quando de repente cessam, sem motivo? E os nossos ouvidos, já habituados àquele ruído branco e monótono, de súbito estranham, e ouvem... o silêncio?

Pois bem, o ladrar do cão teve mais ou menos o mesmo efeito nos meus ouvidos e no meu cérebro. É que, quando o ouvi, estranhei... um som tão familiar na noite, era, subita e inexplicavelmente, completamente estranho... e porquê? Porque, simplesmente, deixara de os ouvir. E não me apercebera ainda. Como o ouvido acostumado ao ruído, que confunde com silêncio. Eu, foi mais ao contrário: confundi o silêncio com o ruído. O silêncio dos cães... ainda não tinha reparado nele, até àquele ladrar forte e inesperado.

É isso mesmo: os cães de Londres são inocentes silenciosos. Pura e simplesmente, não ladram. Mas como?, estão vocês agora a perguntarem-se. Good question. A mesma que fiz, incrédula, ao meu marido, quando vim até à sala confirmar que aquele ladrar só podia vir de um sítio... da televisão, e não da rua, como a princípio pensei! E fiz-lhe a mesma pergunta que agora levanto aqui: já reparaste que os cães daqui não ladram? Mas como é que isso é possível? É proibido? Mas e então, eles sabem disso?

E não pensem que não há cães: nunca vi tanto animal de estimação junto, nunca vi tantas senhoras gorduchas e homens pensativos e pessoas de todos os tipos a passearem os seus amiguinhos. Há cães de todos os tamanhos e feitios, de todas as raças e marcas de que se lembrarem. Mas não ladram. É verdade. Como é que isso é possível, não me perguntem.

Claro que um especialista em treino de animais com certeza que não achará espanto nenhum nesta minha questão. Mas para mim, permanece um mistério. Para mim, um cão a ladrar é a mesma coisa que um coração a bater. E se há quem diga que "cão que ladra não morde", para mim, cão que não ladra... não sei, parece-me menos cão, menos animal, como se lhe faltasse qualquer coisa.

OK, OK, não é nada agradável sermos acordados pelo ladrar destes amigos altas horas da noite, e prezo muito o sossego destas ruas... mas faz-me confusão aos nervos, o que é que querem? Desde ontem que não paro de pensar nisso. Nos cães sem voz. No silêncio destes inocentes.

Por isso é que vos digo que aquela cena dos 101 dálmatas não se pode ter passado aqui, nesta Londres, onde os canídeos são mudos. Aqui não foi de certeza. Ou foi pura imaginação,ou então foi antes do "latir" ser proibido nas ruas.

9 comentários:

merdinhas disse...

Os cães não ladram...e as caravanas não passam?

Carolina disse...

Olá!
Acho que as gravações do filme 101 Dálmatas têm decorrido aqui nos meus arredores:) Ultimamente têm aparecido vários cães abandonados nesta zona e os últimos dias, minto-noites, têm sido passadas assim: os cães ladram até às tantas, já são vários os vizinhos que se queixaram, a C. acorda a meio da noite porque os cães não param de ganir... enfim, claro que tenho pena dos bichos, mas acredita, a minha "máxima" neste momento é "cão que não ladra durante a madrugada sempre dá uma noite mais descansada".
Bjs

Pim disse...

Escrevo isto ao som do ladrar mesmo aqui ao lado... É que ao redor do meu palácio estão centenas de vivendas e o mínimo é um cão, porque em algumas o número ascende para seis, sete, oito...
E quando começam em concerto naquelas noites de lua cheia, uiii. Nos primeiros tempos, devo admitir que não foi fácil; hoje, é... um concerto, pronto! Benditos bichinhos :)

Beijokaaaaaas amiga Papu e family in London :)))))

B-Good disse...

Os ingleses são mestres no que toca ao trato dos animais domésticos. Isso inclui responsabilização total dos donos quanto aos cuidados de saúde e punição severa em caso de abandono. Em Londres, há 11 anos,vi pela primeira vez um cão a entrar num museu e outro num taxi. Fiquei espantadíssima, porque cá em Portugal isso ainda não acontece. Acredito que os animais que não ouves, não ladram porque são animais tranquilos. Na maior parte dos casos, os cães ladram ou uivam por solidão. Não me parece que os ingleses (e repara que não os admiro particularmente noutros campos) deixem os seus animais de estimação "ao abandono". Também deve haver uma boa dose de treino e educação pelo meio. Espero ter-te descansado o espírito. :)

Miduxe disse...

Pois aqui na bélgica passa-se o mesmo! Os cães raramente ladram e NUNCA saem à rua sem trela; Antes de ter filhos não "percebia" bem o perigo dum animal desconhecido, mas agora entendo (eu tenho e gosto muito de animais);
Acho que os animais são educados para respeitarem o ambiente do Homem enquanto em Portugal ainda vivem de forma muito selvagem. Qual a melhor opção? Talvez um meio termo,dificil de gerir,parece-me.BJs

papu disse...

B-good: tens razão, acho q é mesmo por isso q eles não ladram. Treino, educação. E depois é como dizes: os donos são completamente responsáveis por todo o tipo de danos. E o ladrar (incomodar os vizinhos à noite ou de dia) também é considerado um dano. Os vizinhos podem fazer queixa à polícia e o caso complica-se bastante para o dono do cão.

Não é que ache mal, mas faz-me confusão! É tão estranho, não se ouvirem os cães! Estou (estava) tão habituada ao conserto de cães a ladrar, como descreveu o Pim, e aqui há mais de 1 ano que não os oiço ladrar! E realmente, ainda não tinha reparado!

Mãe: claro que não é nada agradável acordar pela noite dentro ao som do ladrar dos cães. Aqui não há animais abandonados. Todos estão identificados através de um chip, e em caso de abandono o dono é severamente punido (acho que vai mesmo preso).

Não é que ache mal, acho até muito bem, mas entendam-me: eu passei parte do meu crescimento numa cidade de província, no Alentejo, onde os gatos abandonados iam parar ao quintal da minha avó e a gente os adoptava. Tivémos mais de 6 gatos (já nem me lembro quantos foram), em momentos diferentes, claro, e alguns cães. O som dos cães a ladrar é qualquer coisa de familiar. E acho q, além de abandono e solidão, o ladrar deles tb pode ser só para comunicar, ou não?

Não consigo habituar-me à ideia de cães que não ladram, pronto!

Merdinhas: caravanas também nunca vi nenhuma! ;)

Bird disse...

Papu Linda Papu,

sabes as saudades que tens são imensas. saudades do que não está tudo no lugar, tudo domesticado. e se percebo...
dá vontade de ir para longe, para os ditos lugares subdesenvolvidos e sentir o pulsar dos animais, da natureza, dos nossos instintos.

Gosto muito do que escreves, também aqui. Da tua versatilidade, do mundo imenso que tens para nos dar. E agradeço-te a generosidade.

Beijos grandes muitos desta tua Amiga que é meia europeia e meia "selvagem"

papu disse...

Florinda: as tuas palavras não podiam vir mais a propósito :)

É q esta coisa da domesticação de animais dá-me um bocado a volta à cabeça... a ver se me consigo explicar:

Acho q os animais pertencem, acima de tudo à natureza. E a sua natureza é selvagem, por mais que os queiramos domesticar. OK, existem os afectos q os unem às pessoas (aos donos) claro q existem, mas existem tb os seus instintos animais, q por mais adormecidos q estejam, estão lá. E não me convencem de q eles estão melhor no conforto das nossas casas do que livres, no meio das árvores e dos campos.

Volto a contar-vos a minha história: sempre lidei com animais (cães e gatos, principalmente). Nunca tive um animal comprado num loja (salvo os peixes do aquário). Os gatos apareciam em casa da minha avó, q tinha um grande quintal, e ficavam. Ficavam pq eram bem tratados, alimetados, e mimados. Mas não nos pertenciam verdadeiramente. Todas as noites, lá iam eles para a rua, para desespero meu e do meu irmão, q bem tentávamos q eles dormissem no conforto das nossas camas, ou mesmo em camas q improvisávamos para eles. mas não. em chegando a noite, os seus instintos despertavam. Lá iam eles. E voltavam no dia seguinte.

Até ao dia em q não voltavam mais. Nunca sabíamos porquê: talvez morressem atropelados (pouco provável, com a pouca intensidade de trânsito q havia), talvez encontrassem outra família mais carinhosa, uma gata em quintal alheio por quem se enamorassem.

Era um desgosto, mas era assim. E habituei-me. Habituei-me a vê-los como criaturas pertencentes, acima de tudo, a eles mesmos e à sua liberdade.

Houve um gato q ficou connosco mais tempo, aí uns 11 ou 12 anos, e acabou por morrer doente. Era um siamês lindíssimo, os olhos muito azuis e meigos a espreitar de um focinho ora castanho muito claro ora escuro como os troncos das árvores (a cor do seu pelo variava com a estação do ano). Esse gato era demais. Era um mimo com as crianças, e uma fera com os outros gatos. Afastava-os a todos.

Ora durante a sua exist~encia vieram parar ao quintal algumas gatas, que acabaram por emprenhar e ter gatinhos. Foi uma excitação! Ver os gatinhos nascer, depois crescerem e correrem... ao princípio tinham medo de nós, fugiam, dp iam-se acostumando e por fim já lhes conseguíamos roubar algumas festinhas... Mas nunca criavam intimidades connosco.

Mas com o gato, sim. Aliás, este gato tinha uma faceta maternal extraordinária: deitava-se de barriga para cima e os gatinhos vinham e mamavam nas tetas dele! É autêntico! E ele ficava para ali a ronronar com eles... uma delícia.

Até ao dia em que os ditos gatitos cresciam e se faziam... gatões. Quando a testosterona aumentava, começavam as brigas. Horríveis, sim. E aquele gato expulsava, um a um, os machos competidores (nunca há dois machos juntos numa casa, um deles acaba por bazar).

E assim víamos patir um a um os gatinhos... e só ficavam as gatas... até nova ninhada e tudo começar de novo.

Esrão a ver? Se vivesse aqui, ós meus avós e todos nós estaríamos com certeza atrás das grades...

Mas para mim isto não é abandono nem maus tratos a animais. É uma coisa completamente diferente: deixá-los viver a sua vida, na natureza, sem interferir. E é isso que é natural. Claro q chorávamos cada vez q um gatinho se ia embora. Mas era assim. É assim a vida dos gatos. E qd o nosso gato chegava cheio de feridas das brigas nocturnas, a gente mimava-o e tratava-lhe dos arranhões. E não, não acho, nunca acharei que é melhor castrá-los. Nunca acharei q eles estão melhor no conforto dos nossos sofás, do q lá fora, na rua, à chuva e ao vento, com a liberdade nas garras!

Tenho dito.

Bird disse...

Papu

só hoje vi que tinhas escrito e descrito tão bem a vida a verdadeira que os animais precisam e devem ter.
E não posso estar mais de acordo. Sempre que tive animais em pequena, e tive muitos, até um bambi, nunca os tentei domesticar. Tive o privilégio de viver num lugar com tanto espaço... O jardim da nossa casa era uma espécie de mato que a rodeava. Daí dar-me ao luxo de ter um bambi que o meu pai apanhou ferido à beira da estrada. E quando o conseguimos tratar, por muito que me tivesse custado, fomos deixá-lo lá onde ele queria estar.

ainda hoje tenho saudades de todos os animais com que me cruzei. tantas.

Beijos minha querida