terça-feira, fevereiro 07, 2006

THE TRUE LOVE

Conheceram-se ainda adolescentes, na China, país de origem de ambos. Namoraram durante largos anos. Imagino um desses amores que nascem no despontar da puberdade, e que crescem connosco, acompanhando-nos no vestir vagaroso de uma nova pele, nas mudanças do corpo e da alma, no engrossar da voz e no estreitamento das ancas, no aumento do busto e dos ombros, nos primeiros pelos da barba, no primeiro beijo tímido e nos sorrisos trocados, no caminho comum para a escola e no roçar de joelhos escondidos por debaixo das mesas, para mais ninguém ver. Imagino um amor feito de cumplicidades partilhadas, de piscares de olhos tímidos, de olhares incendiados de ternura e de beijos trocados no patamar da paixão. Imagino as mãos púdicas dela a afastarem as primeiras carícias mais ousadas dele, com o coração a palpitar de excitação e desejo contidos, atrás da árvore junto à porta de casa dela, com os olhos e os sentidos despertos e vigilantes, atentos à silhueta escura do pai dela atrás do vidro fosco da janela. E, se fechar os olhos e me deixar levar na corrente prodigiosa da fantasia, consigo imaginar uma tarde clandestina, uma cama de lençóis desalinhados, a nudez de dois corpos na descoberta fascinante um do outro, desta vez sem pudor nas mãos, apenas a ternura e o desejo do prazer partilhado. Como num quadro, vejo-os, olhos nos olhos, a malícia a espreitar das pestanas, ainda com a timidez a adorná-las e a emprestar-lhes o espanto e o encanto da primeira vez.

Depois, anos passados, o namoro acabou. Imagino uma briga, uma cena de ciúmes, um mal entendido, desses que enchem os bolsos do passado dos namorados, e ficam para a posteridade a encher-lhes os cantos da casa de teias de aranha e a espalhar bocados de cotão debaixo dos móveis. O namoro acabou, mas não o amor. Nem a paixão. Ela continuava a pensar nele. E ele nela. Mas a briga - definitiva, como o são todas as brigas de fim de namoro nestas idades - permaneceu mais forte e ganhou raízes nos dois corações.

Entretanto, ela conheceu outro rapaz. Divertido, com sentido de humor. Sentia-se bem ao seu lado. Talvez a fizesse esquecer a chama da paixão que a devorava por dentro. Começaram a sair, um dia ele pediu-lhe namoro. E ela aceitou. Sem o coração aos saltos, mas com o pensamento a disparar fantasias.

Acabou por se casar com ele. Entretanto, ele - o outro, o seu amor - também casara com outra mulher. O despeito que sentiu foi abafado pela alegria de uma promessa de um futuro feliz ao lado do seu homem, o que escolhera para seu marido. E alegrou-se por pensar que também ele refazia a sua vida - e seria feliz.

Passaram-se anos. Muitos. Quase metade dos que já vivera. O seu casamento era insonso - o humor do marido rapidamente foi substituído por uma atitude distante, indiferente, contida. Não sentia a paixão que esperara sentir. E não parava de pensar que provavelmente cometera um erro. O outro, o seu amor, não lhe saía do pensamento. Nunca o esqueceu.

Passaram-se 10 anos. Ela entretanto divorciara-se ao fim dos primeiros cinco. A relação tornara-se insuportável para ambos. Do seu amor, nunca mais tivera notícias. Apenas sabia estava no Reino Unido, onde vivia com a família.

Um dia, ao chegar a casa, a mãe perguntou-lhe: "Adivinha quem te ligou". Ela não precisou de adivinhar; já sabia, pressentira-o. Fora ele. O seu amor. Ela já soubera que também ele se divorciara entretanto, e que do casamento havia um filho. Mas nunca mais se tinham visto, nunca mais se tinham procurado. Ele ligou novamente. Tinha regressado à China em trabalho, e disse que gostaria de a ver. Combinaram encontrar-se no dia seguinte.

Tinham passados 10 anos. Sem nenhum contacto. Mas ela sentia-se como se o tivesse visto ontem. O seu coração tremia e as lágrimas escorriam-lhe pelas faces enquanto esperava por ele, numa mesa de um café. Ao mesmo tempo, estava apertado de angústia: não o via há 10 anos! Como é que ele estaria? Teria mudado?

Quando, finalmente, ele apareceu, as lágrimas não pararam de jorrar dos seus belos olhos escuros. Ele, afinal, não mudara. Estava o mesmo. Assim como o que ela sentia por ele. Ao fim de tanto tempo, ainda o amava como no primeiro dia.

Conversaram durante um bom tempo. Contaram as histórias dos seus casamentos um ao outro. Riram como velhos amigos. No fim da noite, quando se sepraram, estavam ambos de coração apertado, e alma leve.

Ele regressou para a Inglaterra. E, ao fim de três meses, pelo aniversário dela, mandou-lhe um presente acompanhado de uma longa carta, onde dizia que ainda a amava, que durante todos aqueles anos nunca deixara de a amar.

Casaram então, apesar dos protestos dos pais, que achavam que era uma decisão errada, pois em dez anos as pessoas mudam muito, entre outros argumentos, cada um mais persuasivo que o outro. Mas eles não deram ouvidos a ninguém. O filho dele, então já com 18 anos, aceitou a situação. Hoje são muito felizes, e têm dois filhos.

Pronto, estão vocês a pensar. Deu-lhe para a veia romântica, e resolver inventar uma estória de amor completamente inverosímil. Enganam-se, meus amigos. Esta é uma história real: foi-me contada hoje, na primeira pessoa, à mesa do almoço, pela protagonista. E a adivinhar pelo brilho dos seus olhos, este amor, que sobreviveu a 10 anos de ausência e distância, ainda está vivo - e bem vivo. É evidente que floreei alguns pormenores (como compete aos contadores de histórias), mas o essencial está fiel. E olhem que, no fim, até eu tinha os olhos brilhantes - de lágrimas.

8 comentários:

Francisca disse...

Eu também. Que bonito.

Pim disse...

Grandiosa, maravilhosa, excitante. De facto o amor tem coisas do arco da velha. Há uma música que diz, e bem: «Não posso adiar o coração...»
Há quem adie. E, quem sabe, adia bem...
Tenho uns amigos em que ele, quando entraram para a faculdade, foi sincero e disse-lhe: «Quero viver isto em toda a sua plenitude, festas, viagens, estudo, etc... E não seria justo continuar contigo sem estar verdadeiramente contigo»
Ela ficou muito triste, mas nada pôde fazer...
Cinco anos depois, ambos com o curso completo, voltaram a juntar-se, casaram-se e, hoje, têm uma menina linda e são mais felizes do que nunca!!!

Serviu o tempo para maturarem os sentimentos... E nenhum considera que aqueles cinco anos tenham sido uma perda de tempo no que à relação deles diz respeito.

E porque o discurso já vai longo,

beijokaaaaaaas, amiga Papu :)))
Allez!

Mónica disse...

adorei! já leste o livro "amor em tempos de colera" de gabriel garcia marquez??
penso muitas vezes no meu primeiro amor, há dias telefonei-lhe, depois de 25 anos... ele ficou muito contente mas that's all folks... a vida real...

Mónica disse...

pronto já me fizeste pingar!

papu disse...

Sem Cantigas: não foste a única a pingar ;)

Pim: uma menina linda... hum... por acaso não se chama Maria Rita? (foi só um feeling, claro, provavelmente estou errada ;)

Alex e Francisca: um sentimento assim, forte, é do mais bonito que há :)

Pim disse...

Poxa, estava assim tão óbvio?

;) ehehe

Beijokaaaas, papu

papu disse...

Até nem estava... mas começas a falar da tua filhota, e pronto! escorre-te a baba e a ternura pelas palavras! pai babado! :)))
Um beijinho para ela

Pim disse...

:))) beijinho para a família in london. Ah, e melhoras rápidas para esses moços