terça-feira, janeiro 13, 2015

Liberdade, liberdade, liberdade

Acho que vai para aí uma grande confusão.
Ora vamos lá a ver: liberdade de expressão não é deitar cá para fora tudo o que se pensa, de forma pouco estruturada, abrutalhada, aparvalhada. Liberdade de expressão não é ausência de censura, porque censura interna todos temos e fazemos uso dela todos os dias. Liberdade de expressão é eu poder dizer o que penso, ainda que corra o risco de ofender alguém, e não ver a minha liberdade nem os meus direitos limitados por causa disso. Por outras palavras, sem ir presa ou levar um tiro.

É óbvio que a minha liberdade acaba quando tropeça na do vizinho. Isso não está em causa. E, quem se sente ofendido ou limitado na sua liberdade ou integridade pelo exercício da liberdade de outrém, tem ao dispor meios legais que lhe permitem lidar com a situação. Não pode é desatar aos tiros. Será que isto é assim tão difícil de perceber?

E tenham lá paciência, mas o humor, quando visa figuras simbólicas, ou ideologias, religiosas ou outras, não pode ser considerado bullying. Há uma grande diferença entre o riso de escárnio e o riso pelo riso, isto é, a capacidade de rir de si próprio, das coisas mais banais da vida; um riso que aproxima as pessoas porque todos somos risíveis e rir é bom. Isto é o humor. Todos nós passamos por uma fase infantil mais narcísica, em que nos sentimos atacados quando achamos que estão a rir de nós. Até ao dia em que fizermos coro com os risos e aprendermos a rir de nós mesmos. É um sinal de saúde mental.

Bullying é agredir alguém em concreto, o filho, o empregado, a vizinha, o colega da escola. Agora ideias, abstrações, não podem ser confundidas com pessoas. É claro que as pessoas têm o direito de se sentir ofendidas, valha-me Deus! Não podem é matar por causa disso!

Olha agora se o meu ateísmo ofendesse todos os cristãos, islâmicos, budistas, o diabo a quatro? E ofende, com certeza, que eu bem vejo os olhos esbugalhados das testemunhas de jeová que me vêm bater à porta, quando eu faço notar que não tenho religião. Mas coitados, mais do que esbugalhar os olhos não podem.

Liberdade de expressão é termos o direito de expressar a nossa opinião sem sofrer represálias por causa disso. É claro que se a minha opinião for rica em conteúdos discriminatórios e levar a acções que agridam, limitem ou comprometam a liberdade e os direitos de terceiros (pessoas ou grupos de pessoas concretas, com existência física e mental) posso estar a incorrer em acção criminal. Mas isto faz todo o sentido. Eu sou livre de não acreditar em Deus, mas se for para aí assaltar igrejas e partir crucifixos posso ser presa. Assim como sou livre de ser racista (ser racista não é crime, praticar o racismo é que é).

A teoria da evolução, por exemplo, é um atentado aos olhos dos criacionistas. Para um criacionista é uma ofensa grave considerar que o Homem é um primata. E agora? O que fazemos, senhores?

Liberdade de expressão é, acima de tudo, liberdade de pensar, de rir, e de respeitar, tanto o próprio e as ideias próprias, como o outro e as ideias alheias. E se ofendidos houver, pois façam igualmente uso dela! Manifestem-se!

(Liberdade de respeitar, sim, porque só se respeita verdadeiramente no exercício da liberdade. A maioria das pessoas não percebe o que é a liberdade de pensamento, porque nunca viveu uma situação de restrição dessa mesma liberdade. O crescimento pessoal tem de ser feito em liberdade: de errar, de expressar, de rejeitar. Crescer é conquistar uma identidade própria de forma livre, no respeito por aquilo que se é. O respeito pelo outro nasce do respeito pelo próprio, que por sua vez foi gerado pelo respeito pela auto-determinação e autonomia da criança. Quem foi ensinado a respeitar, numa educação pelo medo (domesticação), não sabe o que é o respeito, assim como não sabe o que é a liberdade.)

2 comentários:

Jose Carmo Francisco disse...

O ponto bate aí - o respeito pelo outro começa no respeito por si mesmo. Mas eles os que fizeram o massacre não sabem sequer o que isso é. A sua vida não conta por isso a dos outros também não. Um abraço já em Lisboa JCF

jao disse...

O exprimir-mo-nos "em forma pouco estruturada, abrutalhada,aparvalhada" tem que se incluir na liberdade de expressão, estas limitações de cada um, não o podem diminuir na sua liberdade. No que se segue concordo totalmente, são pedagógicas as tuas linhas e também sinto ser o essêncial na prática da liberdade o respeito pelos outros.
Sem dúvida que o berço é fundamental para que se integre a liberdade no caráter, mas quando aí há essa carência tem que ser a sociedade a corrigir a falha inicial, o que será difícil e moroso.

"Soidades"
Beijinhos