segunda-feira, janeiro 25, 2016

Estou grávida de um livro

Vai fazer dezassete anos em Julho, encontrava-me eu no final da gravidez do meu primeiro filho. Os dias eram longos e quentes. Todas as manhãs, depois do banho, ficava largos minutos sentada na beira da cama, nua, já seca, passando creme na pele. Aproveitava para massajar a barriga e quedar-me num silêncio onde tentava vislumbrar o momento em que finalmente seguraria o meu bebé nos braços. Hoje sei que esse silêncio era preenchido pelas palavras que dizia ao meu filho. Há muitas ideias feitas sobre a gravidez e uma delas é a de que as grávidas falam constantemente com os seus bebés. Nessa altura achava que eu devia ser a excepção, mas agora compreendo que não, que para se escutar um filho no ventre é exigido silêncio absoluto. E sem escuta não há verdadeira conversa.
Nesse silêncio eu dialogava com o futuro. Eu via. Imaginava. E, naquele segundo, ansiava por ficar dentro daquela espera, que era uma espécie de redoma, de gravidez do avesso (estava grávida de mim, em simultâneo; grávida da minha maternidade); desejava ficar dentro desse útero para sempre. Uma languidez, uma preguiça apoderava-se da minha consciência; eu queria sonhar, fechar os olhos e não mais pensar; queria deter-me a um passo de acordar, mergulhada no lago morno da minha imaginação; sentir o meu filho nadando dentro do meu ventre e saber que ali, no âmago de mim, estavam todas as possibilidades por nascer. Todos os dias, tardes, manhãs por estrear. A vida em rebento. Um mundo por descobrir. Desbravar. E saber de antemão que desbravá-lo, tocá-lo, cheirá-lo, conhecê-lo de facto, ainda que acima de tudo o mais desejado e antecipado, representa um prenúncio de desilusão. Porque na imaginação cabe tudo o que sobra na realidade. Aquilo que ainda não é contém a promessa do que nunca será. Porque a vida, a terra, o mar, o vento, as tempestades, desgastam. Deixam marca. Erosão. A liberdade que mora na inexistência é, porventura, a única e verdadeira: porque só aí nos reinventamos, recriamos, transcendemos.

Os filhos, no entanto, acabam por nascer. Os livros também. Não aqueles com que sonhámos; nunca esses. Perdemos essa liberdade, sem dúvida: a de imaginar um futuro. A de criar uma vida. Não somos nós, porém, que criamos a vida, é a vida que nos cria. Quando trazemos a criança à luz estamos a entregá-la à vida. Dentro da nossa barriga ela pertence à vida que lhe damos com o nosso sangue: o amor. Fora de nós, pertence à mesma vida que nos fez, que nos trouxe até aqui. E, por conseguinte, o destino dessa viagem deixa de nos pertencer. Serão eles a encontrar o caminho. Quanto aos livros, o caminho é já o fim de uma viagem. As dores de parto começam assim que escrevemos a primeira palavra.

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