quarta-feira, agosto 31, 2005

SEM GRAINHA

Há uma coisa curiosa aqui em Londres, é que há fruta de toda a espécie todo o ano. Nos mercados de rua, no meio da gritaria das vozes e da agitação dos corpos, as bancas das frutas são um arraial de cores e de cheiros: as laranjas redondas, os alperces, os pêssegos e as nectarinas, as bananas de um amarelo pintado de castanho ou de verde, conforme se estão maduras ou não, as pêras em amarelo pintalgado, em verde e castanho, as maçãs raiadas a vermelho gala ou verde smith, as uvas em cachos fartos de verde água ou vinho tintol, e os vermelhos sumarentos das cerejas, dos morangos e das ameixas, em tonalidades do escuro carregado e adocicado ao rosa desmaiado das flores de cheiro de pétalas eternas. E mais as tonalidades amarelo ocre e terra parda das mangas, dos abacaxis, das goiabas, os maracujás de pele escura e enrugada, os abacates verdes e maciços, as lixias cobertas por uma capa de pele em cachinhos rosa velho, tudo à mistura com os pregões que os homens gritam em vozes roucas, numa pronúncia indecifrável para os meus ouvidos. Isto durante todo o santo ano, debaixo do frio e das luzes do Natal, da neve e do gelo de Fevereiro, das manhãs de sol a espreitar do branco das nuvens da Primavera, do calor e das mangas curtas com calções e sandálias de Junho e Julho, até ao frio outonal e às folhas amarelas caídas das árvores em danças de ventanias no ar em Setembro e Outubro.

Eu, que nestas questões tenho uma veia conservadora enraizada na minha costela rural, não abri mão: comprei laranjas, bananas, maçãs e peras durante o inverno, e só quando o sol espreitou e os dias se tornaram mais longos me deixei tentar pelo doce sumarento dos pêssegos, dos alperces, das ameixas, dos morangos, das cerejas e afins.

Mas às uvas não resisti. Aqui também as há todo o ano, doces, docinhas, daquelas mais escuras, e sem grainha. Este promenor não me alicia por aí além, e até nem gosto muito destas modernices de tirar as sememtes aos frutos (na maioria das vezes o sabor também vai atrás), mas honra lhes seja feita, que são mesmo boas. Todo o ano. É claro que é preciso saber escolhê-las.

Bom. Mas onde eu queria chegar era aos meus filhotes, que se lambuzaram de uvas o ano todo, e adoraram, e pediam mais, e não se fartavam de as comer (nem eu!). Depois, quando chegámos a Portugal, e a avó lhes ofereceu daquelas uvas óptimas que crescem na parreira lá do Monte, cheias de grainhas (claro!) mas com um sabor que nem as melhores daqui lhes chegam aos calcanhares, o que é que os meninos fizeram? Adivinhem lá! Isso mesmo! "Pffff, o que é isto? As de Londres não têm grainha!!! Pfff, o bebé nã gota!" Cuspiram tudo!

Mas lá comeram, e lambuzaram-se na mesma, devido à nossa insistência e à remoção das grainhas nos casos mais extremos. Apesar de dizerem, peremptórios, que preferem as de Londres porque não têm grainha.

Espero que lhes passe com a idade...

Sem comentários: