sábado, setembro 10, 2005

AINDA ME LEMBRO

de 1000$00 ser muito dinheiro. Eu e o meu irmão recebíamos uma mesada de 5$00 que dava perfeitamente para actualizar os cromos da colecção. Um livro dos cinco custava para aí 17$50 e nos sítios mais caros 20$00. Lembro-me também de quando os cornetos da Olá aumentaram para 20$00 a minha mãe ficar escandalizada. Lembro-me de querer muito umas botas que custavam 2600$00 e que nunca tive, pois custavam mais que a renda da minha casa!

E, claro, ainda me lembro das notas, de 20$00, em tons de verde, de 50, castantas, de 100$00, azuladas, e de 500$00, castanho-avermelhadas. E das moedas de 1 tostão, também ainda existiam na minha infância remota.

Ainda me lembro dos táxis verdes e pretos que cruzavam as ruas de Lisboa. E das ruas serem quase desertas de carros. Lembro-me também dos autocarros de 2 andares onde eu adorava andar. E acho que ainda me lembro dos eléctricos chegarem a Sete Rios. Pelo menos das linhas do eléctrico na Estrada de Benfica ainda me lembro.

Ainda me lembro de ficar à porta do meu prédio, em Benfica, a trocar cromos com o meu irmão, os filhos da porteira e a filha do senhor da loja de quadros da porta ao lado. O passeio era enorme e a rua segura. Lembro-me também de irmos à mercearia mais próxima comprar pirolitos, e depois partirmos a garrafa para ficarmos com o berlinde.

Ainda me lembro das viagens de carro, para o Alentejo e para o Algarve, intermináveis, que provocavam náuseas e dores no corpo todo. Íamos soltos no banco, ou ao colo da avó ou da mãe, ou apertados entre a porta e um adulto. Às vezes dormíamos deitados ao comprido, na cama formada pelo colo da mãe e da avó. Quando não havia espaço para todos, as crianças iam à frente, ao colo, no lugar do passageiro! Está bem, não havia tanto trânsito, mas não deixa de ser uma inconsciência!

Ainda me lembro de quase não haver passadeiras e semáforos nas ruas. Atravessar uma rua era uma comportamento de risco. No Califa não havia semáforo nenhum, e numa das paredes de um prédio, ao lado da estrada interminável, podia ler-se, escrito em letras negras: PASSE E MORRA.

Ainda me lembro da FOME, um autocarro de dois andares parado no espaço do actual parque de estacionamento do Fonte Nova, que, claro, não existia. O autocarro tinha cortinas nas janelas e devia servir de casa a alguma família sem abrigo. Tinha escrito na parte da frente, no andar de cima, em letras grandes e vermelhas, a palavra "Fome".

Ainda me lembro de, com os meus 4 anos, querer telefonar para a minha avó, em Estremoz, e ter de se marcar um número começado por 00 e depois tinhamos de falar com uma operadora e pedir que nos ligasse ao número pretendido.

Ainda me lembro da primeira televisão que tivémos, eu teria uns 5 anos, a preto e branco, e de eu e o meu irmão, nos fins de semana, esperarmos ansiosos o começo da emissão, para aí às 16.30. Lembro-me do Wiking, da Heidi e do Marco. Lembro-me de só ter televisão a cores para aí aos 16 anos. E em Estremoz a televisão dos meus avós permaneceu a preto e branco durante muitos mais anos, e lembro-me de irmos ver a telenovela a cores a casa de uma prima.

Ainda me lembro dos elefantes indianos, no Jardim Zoológico, que transportavam crianças às costas, instaladas numas cadeiras que se prendiam ao dorso do animal. Lembro-me deles, pachorrentos, a andarem no meio da multidão, enquanto iam apanhando folhas secas do chão com a tromba, que levavam à boca.

Também me lembro do velho elefante que estendia a tromba na nossa direcção (que medo que eu tinha!) à cata de moedas, e que com uma perícia de circo deixava cair no chão do fosso, lá em baixo, e depois puxava o badalo do sino, tocava a corneta e recebia como prémio uma cenoura, para alegria e deleite de miúdos e graúdos, que se acotovelavam para serem os próximos a oferecer a moedinha milagrosa. Acho que agora existe uma réplica dele, mas já não faz o mesmo sucesso.

Lembro-me de quando estoirou a moda das calças de ganga stonewashed (naquele tempo eram da Lois), de percorrer todas as lojas da Baixa, dos Porfírios ao Grandella e aos Armazéns do Chiado e todas as lojecas e lojinhas que naquele tempo proliferavam, em vão. O meu irmão desesperou, e acabou por meter umas calças na lixívia, que ficaram todas manchadas, e que ele ostentava com indisfarçável orgulho, para desespero da minha mãe.

Não, não estou velha, ainda nem cheguei aos 40. O mundo é que mudou muito depressa.

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