sexta-feira, outubro 14, 2005

INTERLÚDIO

Abres-me a porta do tempo
e eu viajo até às origens ancestrais do meu nome
do signo impresso a linhas de fogo na carne viva.
São garras as asas que abro
na plenitude azul do horizonte
são facas as palavras que grito
na solidão náufraga da alma.
É tarde. Sempre será tarde
e porém acabei de nascer
abri os olhos e estiquei as asas para o infinito do olhar.
Nasci já velha, porém, com o peso dos anos a curvar-me os ombros
e a sabedoria de séculos a acumular pó nos arquivos esquecidos das prateleiras.
Tenho o rosto sulcado por rugas cansadas
desfiladeiros abertos na rocha obstinada
da consciência.
Trago a vida aberta
ferida
no magma incandescente
na cratera furiosa do vulcão em chamas
no coração furioso das entranhas prenhes de sangue
e de vida e de braços e de pernas e de mãos
minúsculas
barbatanas de peixes primitivos
girinos translúcidos numa poça de água
redonda
como a terra
o mundo
o lago uterino,
dilúvio pressentido e temido.
Escancaraste a porta do tempo
e o tempo parou
no segundo
decisivo
das minhas pálpebras cerradas
das minhas mãos esticadas
das minhas pernas torcidas
do meu corpo molhado e sujo de sangue
do meu grito da minha voz do meu choro
do meu nome.
Acabei de nascer e ainda sinto no espaço
o abraço da tua carne ancestral
dos teus braços líquidos
das tuas mãos viscerais.
Abres-me a porta do tempo
e eu viajo até ao futuro
infinito
na borboleta
alada
do teu olhar.

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