sábado, abril 01, 2006

E PORQUE HOJE

é dia das mentiras (ih ih! ainda pensei em pregar-vos uma ganda mentira, mas não), apetece-me falar-vos um pouco desse estranho hábito, terrível, mal visto e mal encarado, que é mentir.

Temos horror à mentira. Apregoamos aos quatro ventos que "eu??? Eu nunca minto!", fazemos de tudo para que as nossas criancinhas nunca mintam e somos tomados de pânico quando as surpreendemos em falta. "Ela mentiu-me? E ainda por cima conscientemente?" Pensamos logo num futuro assombrado pelo fantasma da falsidade compulsiva, corremos a marcar consultas em especialistas porque "se agora que é tão novinha já faz isto, imagina quando crescer..."

Quando seria melhor que olhássemos para dentro, contássemos até 10 (ou 20, ou 100) e reflectissemos um pouco:
  • mas afinal, há alguma criatura de Deus no mundo que nunca tenha mentido?
  • não estamos nós constantemente a mentir uns aos outros, quando chegamos a casa e gritamos com os nossos filhos porque estamos muito cansados, e dizemos que não estamos com pachorra para nada, e depois quando o telefone toca e é a sogra ou a tia-avó ou o nosso patrão ou um estranho qualquer nos desfazemos em amabilidades e sorrisos vocais?
  • não contamos tantas vezes a história dos factos reais deturpada ou florida ou confabulada para não os magoar, ou afligir, ou porque simplesmente para a idade deles a verdade nua e crua é completamente desadequada?
  • não floreamos nós um pouco a própria imagem ou os próprios actos, quando nos sentimos injustamente julgados, ou apenas para nos protegermos, ou por insegurança, ou por outro motivo qualquer?
  • não teremos o direito de esconder, ou ocultar, os nossos sentimentos e pensamentos, com pessoas com quem não temos confiança, ou apenas porque não queremos partilhar determinado aspecto da nossa intimidade?
  • não ocultamos deliberadamente partes menos boas de nós mesmos, muitas vezes para não ferir os outros ou para não termos de ser confrontados com a imagem incómoda dos nossos próprios defeitos?

A mentira não é nenhum bicho de sete cabeças, é antes um comportamento extremamente humano. Não existe ninguém que nunca o tenha feito e não podemos ter a ilusão de que os nossos filhos jamais nos mentirão. Aliás, a mentira pode ser positiva, em algumas etapas do crescimento. A primeira mentira geralmente corresponde à noção, por parte da criança, de que há coisas só dela, que ela não quer partilhar com mais ninguém, e que tem o direito de o fazer. Ninguém é completamente honesto e sincero e verdadeiro em todos os momentos, e com toda a gente. As relações sociais estão minadas de maneirismos e de regras de comportamento onde a mentira desempenha um papel muito importante. Em muitas famílias disfuncionais, onde grassam perturbações psicopatológicas graves, a mentira pode ser a única forma de sobrevivência encontrada para uma criança poder crescer.

É claro que há casos graves de mitomania. Geralmente, nestes casos a mentira desempenha um papel na vivência dessa pessoa que é necessário descodificar e tornar consciente. São casos que precisam necessariamente de um acompanhamento especializado. Todas as outras mentiras pontuais e banais, mais ou menos sérias, mais ou menos graves, fazem bem à saúde, desde que não comprometam as relações afectivas e emocionalmente significativas, próprias e alheias. Nos casos mais graves, temos pessoas completamente afastadas e divorciadas do que sentem e do que são verdadeiramente, que usam uma máscara permanente e que nunca se entregam verdadeiramente a ninguém.

Aliás, a mentira mais grave, aquela que verdadeiramente magoa e deixa marcas para o resto da vida, é a que é dirigida ao próprio - quando é de nós mesmos que nos afastamos e escondemos, quando são os nossos próprios sentimentos que não podemos assumir nem admitir, sob pena de nos magoarmos profundamente. A outra, a que é dirigida para fora, e quando é consciente, não é tão grave: porque preservamos a essência do que somos, do que sentimos, e não nos alienamos de nós mesmos.

5 comentários:

Tilangtang disse...

mentimos porque nos julgamos. sentenciamos os nossos actos e porque os achamos incorrectos, sentimo-nos mal e pronto...lá vem a mentirita.

Anónimo disse...

Falta dizer alguma coisa?
Então, por favor,
Mente-me!



Bom fim de semana Papu :)

papu disse...

Beijos às duas :)
Bom fim de semana

Tilangtang disse...

papu,
olha o que nós perdemos - a 1ª Conferência Nacional da Sesta que se realizou hoje em Estremoz...e o que eu gosto de uma siesta!!!
:)

José Antunes Ribeiro disse...

"Quem saberá toda a verdade de ti?
Falavas da mentira com grande ênfase. E o que é a mentira? Será o contrário da verdade? Dizia o velho sábio: a verdade é o contrário da não-verdade.Tu disseste:prefiro o contrário de quase tudo.Eu disse:eis aqui uma pessoa sensata..." (J.A.R.)
Parabéns pelo blog!