terça-feira, maio 30, 2006

DISTÂNCIAS E AUSÊNCIAS

Ai que vontade que os dias tivessem 48 horas!

- Mãe, olha o que é que eu fiz!
- Mãe, olha pa mim!
- Mãe, olha o que eu consigo fazer! Olha, olha!
- Mãe, mãe, mãe...

Que vontade de ter o tempo todo, a alma toda, disponível e atenta para ti. Para vocês.
Para vos ver crescer.
Para crescer convosco.
Para dizer, saltar, brincar, gritar.
Que vontade.

E no fim, estamos sempre ocupados com qualquer coisa.
Ou com o jantar, ou com a loiça, ou com as camas, ou com os panos do pó, ou com os aspiradores.

E às vezes, estamos cansados, apenas.
Ou precisamos do silêncio. Da calma que não temos.

Mas o vosso tempo não é de calma. Nem de paz.
É de gritos, de agitação, de descobertas, de excitação.

Que alegria que é ouvir as vossas vozes pela casa, entretidos nas vossas brincadeiras!

E às vezes, o que precisamos é apenas de algum tempo para nós. Só para nós.
E é esse tempo que não temos, que não conseguimos. Por mais que fechemos os olhos e os ouvidos, vocês estão sempre lá. Vocês são sempre a parte mais importante.

E quantas vezes nos esquecemos de nós. Tantas vezes prescindimos do que mais precisamos. Tantas vezes nos ignoramos. Tantas vezes nos maltratamos.

Se calhar não sabemos o caminho. Se calhar tacteamos o espaço escuro desse abismo, à procura de pistas. Mas não há pistas. O que há, é sempre essa necessidade imperiosa do nosso espaço. De nós. Das nossas coisas. Que tem de ser resgatada por nós, à custa de silêncios e de pequenos desesperos. Sob pena de o nosso barco naufragar, e não mais embarcar. Nunca mais.

Porque constantemente nos dividimos. Multiplicamos. Damos o melhor de nós. E o pior, também. Mas não podemos esquecer-nos. Anular-nos, por eles. Em favor deles. Isso não. Isso não é ser justo nem verdadeiro. Nem connosco, nem com eles.

E, para sermos pais, temos de o ser. Temos de ser nós, acima de tudo. Com todas as consequências que isso implica. Com todo o egoísmo que isso implica.

Se nos esquecermos de nós, se nos esquecermos do nosso espaço, como vamos dar-lhes um rosto, um rumo? Como vamos servir de suporte, de apoio, de modelo? Alguém sem rosto? Sem cara? Sem vontade? Sem ser? Com quem é que eles vão contar, em quem é que eles vão confiar, com quem é que eles vão rivalizar? Com alguém que não existe e que ficou perdido, lá atrás, algures, no caminho?

Não podemos dilatar o tempo. Não podemos. Mas podemos estar ao lado deles. E ao nosso, também. Tem de ser possível. Às vezes não há negociação, não podemos estar em dois sítios ao mesmo tempo, ser dois e três ao mesmo tempo. Às vezes temos de nos ausentar. De nós. Deles. Mas a distância também é importante. É na distância que nos definimos. Que nos conhecemos. E eles vão ter de percorrer caminhos com os próprios pés, sem a nossa mão nem o nosso olhar. Não há crescimento sem distância nem solidão.

1 comentário:

Alex disse...

Se os dias tivessem 48 horas haviamos de arranjar mais 1001 coisas para fazer e quando dessemos por nós já nem as 48 horas chegavam.

deixa estar as 24 ;)