sábado, maio 27, 2006

LEITURA AO SÁBADO


Lembro-me do nome de Sebastião da Gama dos livros da escola, os primeiros livros, aqueles que ainda se liam com gosto. Lembro-me das palavras simples e bonitas, lidas a espaços e com intervalos para sonhar. Mais tarde, lembro-me de alguns poemas soltos, frases mágicas, que finalmente me despertaram a curiosidade para saber mais, ler mais, procurar mais.

Os livros existiam todos na colecção dos meus pais. Eu fui lendo, folheando, intuindo. Pressentindo a alma deste poeta-professor. Ele era um professor. De poucos professores se pode dizer que são realmente professores. Aqueles que realmente gostam do que fazem, têm prazer com a sua profissão, e, acima de tudo, respeitam os alunos. Era esta atitude de respeito que mais me enternecia e me fazia sorrir. A dedicação imensa aos alunos. A motivação em ensiná-los de facto, ou antes, em ajudá-los a aprender. A preocupação constante em tornar as aulas interessantes. Lembro-me particularmente bem de uma passagem do seu Diário, em que ele conta que teve de pôr um aluno na rua. No meu tempo de estudante, ir para a rua era o pão nosso de cada dia para alguns colegas mais irrequietos. E era uma coisa tão natural, que já nem fazia mossa.

Mas não para o nosso professor. Ele não era um professor qualquer. Ficou a remoer, a remoer, e acabou por desabafar. Não me lembro das palavras exactas, mas a ideia era mais ou menos esta: se calhar, ele fez barulho, porque a aula não lhe interessava. E, se calhar, a aula não lhe interessava, porque de facto não tinha interesse nenhum. E, nesse caso, quem devia ir para a rua era eu.

Era assim, este professor, sempre a questionar-se, sempre a pôr-se em causa, sempre a tentar melhorar. Por detrás do professor havia um homem simples, modesto, sensível, que encantava os alunos e com quem ele convivia. Depois de o ler, recordo as histórias que ouvi, às pessoas que tiveram o privilégio de o conhecer: o meu pai foi seu aluno, na sua passagem por Estremoz; os meus avós lembravam-se dele, a minha avó contou-me que ele andou com a minha mãe ao colo, e dizia que ela era a menina com os olhos mais bonitos que já tinha visto. O meu primo Aníbal também o conheceu, e num dos seus livros ele fala nele, entre outros nomes incluídos na família alargada de parentes e amigos, e nos passeios e encantos da Serra D'Ossa. Toda a gente o lembra como uma pessoa de carácter fora do comum, um coração imenso, uma alma grandiosa, mas acima de tudo um homem simples, sem vaidade nem pretensões.

Os seus poemas são simples, de palavras inteiras, de imensa ternura. Os escritos que deixou revelam a intensidade e a profundidade da sua alma. O livro que mais me encantou foi sem dúvida o seu "Diário", o relato do seu dia-a-dia de professor, o modo como se entregava ao que fazia, como abraçava a vida, como era capaz de sorrir com as coisas mais pequenas. Era um homem avançado no seu tempo, creio. E morreu muito jovem, mas, de certeza, pleno de tudo aquilo que viveu.

4 comentários:

Alex disse...

possas ...
assim de repente achei que hoje era Quarta

Boa noite Papu :))))

Alex disse...

Pelo Sonho é que vamos,
comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não haja frutos,
pelo sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos,
Basta a esperança naquilo
que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
com a mesma alegria,
ao que desconhecemos
e do que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?

- Partimos. Vamos. Somos.


Sebastião da Gama, O Sonho

Alex disse...

28 anos Papu, morreu com 28 anos.

papu disse...

É verdade... tão novo, não é?
Obrigada, Alex, pelo poema. Gosto muito dele. E de tantos outros, mas, infelizmente, não tenho os livros aqui comigo.

É das coisas que mais sinto falta.
OS MEUS LIVROS!!!!!!

Trouxe alguns, mas poucos, muito poucos. Mas tem de ser aos poucos, além disso, não tenho espaço aqui para todos ;)

Beijos :)