segunda-feira, setembro 18, 2006

INTERROGAÇÕES

O Diogo teve hoje o primeiro dia na Nursery. Fiquei com ele. Amanhã vai ficar sem mim durante 10 minutos, e depois dependendo do modo como ele reagir, vai-se aumentando este tempo progressivamente. Acho que não vai haver problema nenhum, ele está desejoso de começar a escola. Mas é o procedimento habitual de settling in.

A Nursery não difere muito do Playgroup onde fiz trabalho voluntário o ano passado. A sala está dividida por áreas (Home corn area, workshop area, water and sand area, drawn area, etc). Há uma mesa com brinquedos vários e outra com plasticina. O espaço é grande e está bem distribuído. Existe um playground cá fora, e a porta está aberta, de modo que os miúdos podem entrar e sair quando desejarem.

As crianças ficam a manhã toda a fazer o que lhes apetecer. Deambulam pelas mesas, saltam de uma brincadeira para outra. Há muito poucas actividades estruturadas, e em grupo não vi nenhuma. Acredito que de vez em quando façam actividades em grupo, mas deve ser mesmo de vez em quando.

Eu não costumo ser muito conservadora, mas por mais que dê voltas à cabeça, não consigo perceber isto. E acabo por sorrir para dentro ao recordar a forma como, aqui há uns anos, era defensora acérrima das ideias educativas de A. S. Neil (o autor do livro Liberdade sem Medo, de que já falei aqui no blog). É que ele defendia, precisamente, que as crianças deveriam ser deixadas livremente a brincar, e decidir por elas mesmas o que queriam fazer. Na sua escola, por exemplo, as crianças é que decidiam se queriam ou não ir às aulas.

Mas nessa altura eu tinha aí uns 17, 18 anos. Não tinha experiência absolutamente nenhuma com crianças. Nunca estivera numa sala da infantil ou da pré-primária, excepto quando eu própria lá andara. Pode dizer-se, portanto, que as minhas ideias eram fruto da teoria, apenas. Faltava-me o confronto com a prática.

Eu já falei disto, há uns tempos atrás, e não queria repetir-me, mas é que faz-me mesmo confusão à cabeça. O que é que eu vejo aqui? Crianças a andarem de um lado para o outro numa sala cheia de brinquedos, sem saber o que fazer. Algumas até se entretêm bem sozinhas. Outras nem por isso. As mais irrequietas deambulam autenticamente por ali, pegam num brinquedo, juntam-se a uma actividade mas depressa desistem. Às vezes parecem chatear-se. Outras ficam de tal forma excitadas e irrequietas que correm de um lado para o outro, atiram com coisas, vão de encontro às mesas, enfim, fazem disparates atrás uns dos outros. Nessa altura os adultos zangam-se e repreendem-nos.

Não há rotinas absolutamente nenhumas. Não há cá meninos sentados no tapete a ouvir uma história ou simplesmente a conversar sobre como foi o fim de semana. Não há canções em grupo. Não há pinturas em grupo. Essas coisas acontecem de forma esporádica. Ao fim do dia também costuma ser a hora da história, e aí eles sentam as crianças no tapete. Da minha experiência no playgroup, era sempre uma confusão. As crianças a essa hora já estão cansadas, a sua atenção já não está desperta. Tinham de dividir o grupo ao meio e mesmo assim era muito difícil conseguirem que prestassem atenção.

Lembro-me das actividades que o David teve nas escolinhas onde andou, aí em Portugal. Não tinham nada a ver com isto. Do que me apercebi, todas as manhãs eles se sentavam no tapete para ouvirem uma história ou conversar. As actividades que se seguiam, muitas vezes, estavam ligadas à história que ouviram, ou à conversa que tiveram. As coisas tinham sequência e lógica. As rotinas são muito importantes,e havia horas para ir à casa de banho, horas para ouvir uma história ou cantar, horas para pintar, horas para dormir, horas para comer, e, claro, horas para fazer aquilo que lhes apetecer. Aqui não há horas para nada. As coisas vão acontecendo ao longo do dia, de forma espontânea.

Só não percebo porque é que as educadoras passam tanto tempo a planear actividades, e de forma tão rigorosa. No curso que estou a frequentar é dada uma grande importância ao planeamento das atividades. Temos de escrever tudo! Desde o material utilizado, ao número de adultos e de crianças envolvidos, aos objectivos de aprendizagem, aos Early Learning Goals que a actividade promove, e de que forma o faz (temos de dar exemplos de que forma as crianças aprendem sobre o conhecimento do mundo através da actividade em causa, por exemplo), enfim, uma lista interminável!

O papel do adulto é mínimo. Andam por ali, orientam, respondem às solicitações, dispõem o material, ajudam as crianças, mas é apenas um suporte. E às vezes há falta de supervisão. Os miúdos são deixados entregues a eles mesmos mais do que seria desejável.

Depois da Nursery as crianças vão para a Reception, uma espécie de pré-primária. Aí já há uma rotina que é seguida todos os dias. Ainda há muitas actividades livres, mas desconheço se há actividades planeadas de forma a envolver todo o grupo. Talvez vá fazer trabalho voluntário na Reception Class, portanto vou ver como é.

E à Reception segue-se o Year 1, que é o equivalente ao nosso 1º ano, ou 1ª classe... e isto quando as crianças estão com 5 anos e meio! Quer dizer: de um contexto completamente caótico e desestruturado, em que só fazem o que lhes apetece, passam para outro um pouco mais estruturado, e passados dois anos estão na primeira classe, onde certamente a exigência é completamente diferente, onde têm de prestar atenção, apresentar trabalho, aprender coisas novas, enfim, uma mudança radical! Mas isto faz sentido, pergunto eu? Como é que querem que depois os miúdos se organizem? Que sejam capazes de prestar atenção, que se adaptem a uma rotina, se precisamente essa mesma rotina lhes foi negada de forma sistemática? A rotina é um elemento chave do processo educativo. Ajuda as crianças a sentirem-se seguras e confiantes, ajuda-as a desenvolverem um sentimento de pertença à escola e ao grupo (através do estabelecimento de rotinas que priveligiam as actividades em grupo). Mas as rotinas só desempenham o seu papel se as crianças estiverem familizrizadas com elas, se foram prática corrente e constante. Não se pode esperar que os miúdos cheguem a uma certa idade e se adaptem a uma rotina mais ou menos rígida, se nunca desenvolveram essa capacidade antes.

Acho que este sistema educativo precisava de uma volta de 180ºC. Ainda por cima num país em que as crianças e o seu bem estar são preocupações de primeira linha! Mas a ideia com que fico é que eles pura e simplesmente não conseguem fazer as coisas de outra forma porque nem sequer conhecem outras formas. E fazem o seu melhor, claro. Faz-me confusão não haver um intercâmbio de experiências pedagógicas e educativas, a nível internacional. Acho que cada Sector Nacional de Educação deveria ver o que se passa nos outros países, ter conhecimento das práticas noutros contextos. Acho que se poderia aprender e voluir bastante com essa troca transcultural.

2 comentários:

LP disse...

Sabes o que me fez confusão ao ler o teu post? Afinal, nós dizemos que Portugal está na cauda da Europa em termos de educação (e, quando se fala em educação neste contexto, é da escolar) e o nosso pré-escolar está a milhas desse. Desde que começam a andar que os pequenos que estão na escola se vão habituando a certas rotinas. Já com pouco mais de 1 ano, o João se senta uns minutinhos no tapete para ouvir uma história.

papu disse...

É exactamente isso, Liliana. O David também entrou com 15 meses para o infantário e lembro-me tão bem de a educadora, na última reunião desse ano (ele já tinha então 2 anos) nos mostrar como os meninos tinham evoluído: no início do ano só conseguiam ficar uns minutinhos sentados no tapete prestando atenção a uma história, e no fim do ano já conseguiam ouvir a história toda com interesse e motivação! Já testemunhei como a criação de hábitos e rotinas os ajuda no desenvolvimento de capacidades como a atenção e a cooperação. É isto que não entendo aqui. Não consigo entender. Não sei se se passa assim em todo o lado (só tenho conhecimento de duas situações), mas como estou a fazer um curso de Childcare, quer-me parecer que sim. Eles defendem que as crianças devem ser livres e autónomas para tomar decisões e fazer escolhas, e é essa autonomia que querem promover, ao deixá-las estruturar livremente o que querem fazer. Até aí tudo bem, só que as crianças não têm ainda maturidade para se organizarem durante tanto tempo. Ficam perdidas, alheadas, desorganizadas, confusas, enfim, andam para ali sem rumo. Quando as observo não consigo deixar de comparar com outras crianças que já vi, e comparar sempre pela negativa, pelo que não são, pelo que não conseguem, pelo que estão a perder. Acredita que a educação aqui, neste sentido, não é nada melhor que a daí. Portugal não é o país quase terceiro mundista que tantas vezes achamos que é, nem a Inglaterra é aquele país desenvolvido que nos convencemos que é. Isto em alguns aspectos, claro. As coisas não são assim tão lineares.

Depois há outras facetas da questão, por exemplo, eles aqui não prendem as crianças dentro de casa como aí. Aqui, faça chuva ou faça sol, os miúdos vão para o recreio. Quando chove têm uns impermeáveis e umas botas de água. Brincam com a água, molham-se, brincam com lama, sujam-se... aqui ninguém tem medo de se sujar. Acho que é uma coisa positiva, e neste aspecto estão à nossa frente.