terça-feira, novembro 14, 2006

CUME

17 Setembro 2005


Hoje voltei a subir ao cume. A paisagem está matizada de tons castanhos e verdes. Os esquilos passeiam por entre as ervas e as folhas no chão. Ouvem-se os gritos dos pássaros. A luz demora-se a percorrer os troncos das árvores, lentamente. O ar adormece nos ouvidos, humedece-nos a face. Lá de cima vemos uma imensidão de casas, estradas, carros, árvores, bosques, nuvens e céu. As casas cabem-nos entre os dedos. Os carros parecem brinquedos. Desde criança que gosto de olhar os sítios que conheço assim de longe, de cima, e entreter-me a descobrir as ruas e os percursos familiares. Lembro-me de subir ao castelo de Estremoz e ficar assombrada com o tamanho do quintal da minha avó, que de lá de cima parece uma daquelas caixas de papel das pastelarias, com as laranjeiras a saltarem lá de dentro como festejos de Natal a comporem o embrulho. Fiquei fascinada com a cidade enorme a meus pés, tudo minúsculo como uma cidade de bonecas. Parece que conseguimos agarrar as pequenas miniaturas com a mão, e afinal está tudo tão longe.

É isso que me fascina nestes lugares. Estamos tão perto de tudo, e ao mesmo tempo tão longe. O barulho e a confusão da cidade não chegam lá. Apenas ouvimos o assobio do vento e o canto dos pássaros. Um casal de velhotes e dois ou três solitários passeiam os cães, que correm por ali, mas que não ladram, como já sabem. Observo-os. Lembro-me de ouvir a minha mãe dizer que, passados alguns anos de convivência diária e canina, ambas as expressões (dos animais e seus donos) acabam por assemelhar-se. Ao princípio espantei-me mas lembro-me que a partir desse dia passei a olhar de soslaio para os vizinhos que passeavam na rua com cães, e homessa, ela tinha razão! Havia um velho galgo, com longas pernas de gazela, enorme e esquálido, que andava bamboleando os quartos traseiros. O andar dele era desengonçado e cómico. Tal e qual o andar da velha que o acompanhava, que só não o imitava no porte anafado de carnes generosas. Outros três cãezinhos, daqueles com patinhas que não crescem e cheios de franjas e cabelos, com focinhos achatados e olhos vivos prontos a saltar das órbitas (não sei a marca, perdoem) lá andavam presos pelas trelas, nervosos, sempre a cheirarem as pernas de quem passava e a enredarem as trelas umas nas outras, soltando latidos estridentes. A mulher que segurava a tripla trela tinha - juro-vos - a mesma expressão a visitar-lhe o olhar e as bochechas enrugadas à volta do nariz, ligeiramente espalmado, que os três canídeos. A partir daí, e sempre que vejo alguém a passear com cães, não posso impedir-me de fazer este jogo mental, o de tentar encontrar as semelhanças e as diferenças.

Entretanto, caíram umas pingas de chuva, que depressa fugiram, assustadas.

Para a próxima levo a máquina.

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