sábado, março 10, 2007

GENEROSIDADE

O mais novo ficou de castigo, por falta de respeito. É um respondão, mesmo quando está em falta. Apesar de lhe ter apanhado a mentira esfarrapada, e para não me chatear muito, mandei-o ir deitar o papel no caixote do lixo, o que ele fez, seguido de um "CHATA!" dito em rajada e gritos de "TOU JANGADO!". Decidi manter o castigo, que seria não jogar no dia seguinte, apesar dos pedidos de desculpa e do choro sentido que se seguiram. Tive de lhe dar imensos mimos e assegurá-lo de que já não estava zangada, e de que gosto muito dele, mas que tinha de o pôr de castigo porque ele tem de aprender a portar-se bem. Estava inconsolável, mas foi-lhe passando aos poucos.

O David assistiu a tudo (aliás, ele era o prejudicado da mentira do outro, que assegurava que não tinha sido ele, mas o irmão, a deitar o lixo no chão), e depois, muito sério, disse que também não queria jogar no outro dia. "Porque o Diogo depois vai ficar triste e eu não gosto de o ver triste..."

Só quem sabe como eles esperam ansiosamente o momento de jogar, e quem ouve todos os dias a pergunta até à exaustão "Mãe, podemos jogar???", e conhece o desespero em que ficam quando lhes corto esta distracção compulsiva, é que pode avaliar o significado da generosidade deste gesto. Virei-me para o Diogo, e disse-lho: "Já viste como o mano é teu amigo? Ouviste o que ele disse?" E fiz com que ele repetisse e percebesse que estava a ser prendado com uma coisa rara e muito preciosa.

É claro que não sei se ele captou o essencial, até porque ainda é demasiado centrado em si mesmo para fazê-lo. Mas tenho a certeza que sentiu. Ele adora o irmão, que é assim uma espécie de modelo desejável para ele: "Cando é que eu vou xêl gande como o David?" É claro que esta identificação toda não acontece sem ser às custas de alguma inveja e ao mesmo tempo alguns sentimentos de inferioridade ("mas eu nunca vou xêl melhól... eu quia ser melhól tamém...", isto dito com lágrimas nos olhos, quando eu escrevi no cartãozinho de Natal que ele ofereceu ao David as palavras: "Dear brother, you are my best friend!")

E sim, acredito que é com o exemplo, mais do que com lições, que eles aprendem. Disse-o ao David, que fico muito contente por ele ser assim tão amigo do irmão, e que sei que o Diogo também é muito amigo dele, e vai aprender com ele a ser assim amigo dos outros. A melhor lição de vida, tanto para crianças como adultos, é aquela que retiramos do que sentimos - das emoções que os momentos nos oferecem, e das atitudes que tomamos, em sintonia com elas. Ainda que essas atitudes nos levem para caminhos menos desejáveis.

2 comentários:

Mãe Bisnaga disse...

Custa muito ter que ser por vezes a má da fita não é? Mas tem que ser... Já os avózinhos diziam que era melhor eles chorarem agora que nós chorarmos mais tarde.

E que queridos que eles são um com o outro :) Que continuem sempre assim.

Alex disse...

Admiro os teus putos.
Esses dois são um tesouro Papu, vou adorar conhecê-los no verão.