domingo, junho 24, 2007

Ilusão

Tem graça...
Dantes, quando era adolescente, escrevia muito para desabafar. Deixava cair as angústias no papel com uma velocidade vertiginosa. Eu tenho vertigens. Não consigo sentir-me segura num lugar alto, começo a ficar tonta, parece que deixo de sentir o meu corpo, fico com medo de cair. Nem é preciso ser um lugar muito alto, basta uma falésia mais inclinada, e eu saber que não tenho onde me agarrar.

Li uma vez que as vertigens não são o medo de cair, mas o desejo de cair. Pode parecer um paradoxo, mas acho que é verdade. Bem, só posso falar por mim, como é evidente. Mas, quando estou num lugar alto, numa varanda de um 6º ou 7º andar, por exemplo, e olho para baixo, apoiada à segurança que me dá o parapeito, compreendo perfeitamente esta afirmação, aliás, sinto-a. É que o meu medo vem-me precisamente de um desejo louco de me atirar. Minto: não é um desejo (obviamente que não quero estatelar-me lá em baixo), é um pensamento idiota, completamente louco, uma espécie de impulso de me atirar, e é da consciência desse impulso que surge o medo. É como se tivesse medo de mim mesma, da minha irracionalidade, de cometer um acto de loucura. Como se de repente um espírito louco se pudesse apoderar de mim. É o que, tecnicamente, se chama a fobia do impulso, acho.

Mas como é que vim parar aqui? O que eu queria dizer é que dantes a escrita era para mim uma espécie de muleta, e deixou completamente de o ser. Agora é ao contrário. Quando estou invadida por angústias não me sai nada. Quando me embrenho em pensamentos distantes ou concretos falha-me a torrente das palavras. Acho que só escrevo quando não penso em nada. Talvez quando me distraio. (Ou finjo que me distraio?)

Dantes também tinha uma necessidade enorme de me compreender. Precisava de compreender tudo. Era uma coisa assim um bocado para o obsessivo. Às vezes a minha cabeça quase que deitava fumo! Isso também mudou (um pouco). Já percebi que a compreensão, a racionalidade, não passam de meras tentativas de ilusão. As pessoas muito racionais vivem na ilusão de que compreendem tudo de si (e talvez dos outros). Eu prefiro a constatação da minha ignorância, que me dá a possibilidade da verdadeira ilusão, que é muito mais interessante (no meu ponto de vista, como é evidente).

Lembro-me daqueles desenhos marados que aqui há uns tempos andavam na berra, com umas cores e uns padrões esquisitos, onde era suposto ver-se figuras tridimensionais se adormecêssemos o olhar. É isto mesmo que é preciso fazer: adormecer o olhar. Fazer de conta de que não se está a ver nada, perder o olhar no vazio. Distraí-lo, quem sabe? E então, de súbito, surge a magia da imagem, deslumbrante, aos nossos olhos. A primeira vez que a consegui ver foi o que senti: um enorme deslumbramento. Depois fiquei adicta: tinha de ver todas e mais alguma. Comparava o jornal e ia numa ânsia à procura da próxima. Depois cansei-me, claro. Mas lembro-me bem de uma ideia que me ocorreu nessa altura: e se a nossa percepção do mundo, a imagem que os nossos olhos formam, quando olhamos em redor, for o resultado de um fenómeno em tudo semelhante? No fundo, o mundo é igual àquela folha pintalgada de padrões desconexos e ininteligíveis, e é o nosso olho, o filtro do nosso olhar, que, de todo aquele caos visual e luminoso, organiza as partes aparentemente sem ligação numa imagem com sentido. E o sentido não é só visual, físico, mas também emocional. Não há, portanto, duas imagens iguais, como não há duas pessoas iguais.

(E, afinal, a imagem não é mais que uma ilusão. Uma ilusão de óptica, uma miragem, seja o que for. Mas não está lá!)

Eu acredito que sim. E não me limito a acreditar: vejo. Mas claro que podem ser apenas os meus olhos...

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