sábado, junho 09, 2007

Origens


Há uma teoria sobre as origens da espécie humana que me fascina particularmente, que é conhecida como a teoria do macaco aquático. Segundo ela, os nossos antepassados teriam tido de se adaptar ao meio aquático, e teria sido dessa adaptação que surgiram as características que nos distinguem como espécie.

A questão que ainda permanece sem resposta para os investigadores é a seguinte: a que espécie de meio estaria o Homo originariamente adaptado? Ou, pondo a questão ao contrário, que espécie de meio envolvente fez com que emergissem as características da nossa espécie?

No caso dos nossos parentes mamíferos terrestres, e dos nossos primos primatas, é fácil encontrar a resposta. O chimpanzé, por exemplo, estaria originalmente adaptado às florestas tropicais Africanas, e passaria a maior parte do tempo nas árvores, enquanto os babuínos estariam adaptados às áreas desérticas da Arábia e África, e viveriam principalmente no solo. Mas, no caso do Homo, os cientistas apenas podem apontar hipóteses.

À luz do conhecimento científico actual, é aceite que a espécie humana ter-se-à separado dos outros chimpanzés há cerca de seis milhões de anos. Até há pouco tempo, a hipótese mais plausível era a de que os nossos ancestrais teriam abandonado a vida na floresta para colonizar as planícies abertas, as savanas. De acordo com esta teoria, designada de teoria da savana, esta mudança de ambiente teria sido a principal causa do aparecimento das características que conduziram à espécie humana.

Hoje em dia há vários motivos para contestar esta teoria - principalmente novas descobertas que põem em causa a era do aparecimento das condições físicas terrestres que teriam dado origem à savana. Este periodo, de acordo com as novas descobertas, teria ocorrido depois da origem da família humana.

Por outro lado, os ossos de Lucy, a nossa famosa antepassada, foram encontrados no meio de areia, misturados com ovos de tartaruga e crocodilos e pinças de caranguejo. E também os ossos de um velho Australopithecus, encontrados próximo do Lago Rudolph no Kénia em 1995, estavam rodeados por fósseis de animais vertebrados, entre os quais peixes e répteis marinhos.

Devemos também ter em conta que, apesar da família humana ter aparecido há muitos milhões de anos atrás, o Homo Sapiens, o ser humano moderno, é uma espécie jovem. É também sabido que as pegadas mais antigas conhecidas de um ser humano moderno (com a idade de 117 000 anos!) foram encontradas nas margens de uma lagoa sul africana.

Foi na altura em que a teoria da savana começou a ser posta em causa que surgiu a teoria do macaco aquático. Esta teoria tem vindo a conquistar terreno, pois consegue preencher as lacunas existentes no conhecimento desta matéria. Alguns investigadores têm vindo a demonstrar que as diferenças entre os hominídeos e os outros macacos sugerem uma adaptação ao meio aquático (Max Westenhofer em Berlim, 1942; Alister Hardy em Oxford, 1960, e Elaine Morgan, que tem vindo a investigar nesta área de forma constante e entusiástica).

Apesar de, em termos genéticos, pertencermos à mesma família que os chimpanzés (partilhando 98,5 % dos genes), dezenas de características diferenciam-nos de forma radical destes nossos parentes, todas elas compatíveis com uma adaptação ao meio aquático.

O bipedismo é uma delas (ficar, correr e andar de pé). Os investigadores têm sugerido que o bipedismo terá sido primeiramente adoptado por força das circunstâncias, quando os nossos ancestrais foram confrontados com a necessidade de se deslocarem na água. É bem conhecido o facto de os bebés humanos conseguirem andar em cima de uma superfície de água pouco profunda, antes de o conseguirem em terra seca. Também é sabido que o único primata, para além de nós, que regularmente caminha sobre duas patas é um macaco (proboscis monkey of Borneo) uma espécie de macaco nadador que muitas vezes necessita de andar na água, em sítios pouco profundos.

Quando o bipedismo se tornou um modo usual de locomoção para os nossos antepassados, estavam estabelecidas as condições para o extraordinário desenvolvimento do cérebro que se seguiu. Neste cenário, a alimentação costeira (à base de animais marinhos) seria a única que proporcionaria uma infinidade de nutrientes necessários e essenciais a este desenvolvimento cerebral. Entre eles encontram-se as cadeias longas de ácidos gordos ricos em omega-3 que são abundantes nos alimentos de origem marinha.

Nos anos 90, novos conhecimentos nesta área das necessidades nutricionais do desenvolvimento cerebral vieram corroborar ainda mais esta teoria. Até esta altura era impossível explicar porque é que o cérebro humano é quatro vezes maior que o do chimpanzé, e a razão para o facto de a proporção de matéria cinzenta em relação à massa total do cérebro ser exactamente a mesma no caso do homem e de outros mamíferos como o golfinho permanecia um mistério. Um dos aspectos mais enigmáticos da natureza humana é o facto de termos de alimentar um cérebro enorme, ainda que o nosso corpo não esteja apto a fabricar uma das principais moléculas essenciais ao seu desenvolvimento ('DHA').

A nudez (ausência de pelagem) é uma característica humana apontada e registada desde o livro do Génesis. Foi considerada um mistério científico no tempo de Darwin, que terá rejeitado a explicação de que teria sido um meio de nos protegermos contra as inúmeras espécies de parasitas existentes nas regiões tropicais. Se fosse o caso, outros animais nas mesmas condições teriam desenvolvido a mesma característica, livrando-se assim das suas pelagens, o que não se verificou. De facto, qualquer interpretação possível para esta característica deve começar, primeiro, por procurar entender a principal função dos pêlos, que é a de proteger o corpo das variações exteriores de temperatura, através da criação de uma camada de ar à volta do corpo. Dentro de água não há necessidade de pelagem. A ausência de pêlos é uma das características dos mamíferos marinhos. Os únicos que mantiveram os seus pêlos são os que vivem em climas muito frios e que passam algum tempo fora de água, como as focas e as otárias.

A nossa camada de gordura sub-cutânea é outro mistério. Não é uma característica partilhada com outros macacos, e sim mais uma que temos em comum com outros mamíferos aquáticos. Além disso, nós suamos para controlar a temperatura corporal, e temos a maior produção de suor entre todos os mamíferos. Este facto tem sido considerado outro mistério, ou antes, um erro da natureza, pois, através dele, são eliminadas grandes quantidades de sais e de água corporais. Novas interpretações deste facto tornam-se possíveis se pensarmos que os humanos eram originalmente primatas adaptados a um meio ambiente rico em sais minerias e em água.

Podemos ainda considerar outras características intrigantes, como os triângulos de pele existentes entre os nossos dedos das mãos e dos pés, que fazem lembrar as membranas existentes nas patas dos patos. Há ainda a anatomia do nosso tracto respiratório, o número de células sanguíneas por centímetro cúbico, entre outras.

As lágrimas também nos ligam à água. Muitos animais marinhos também choram: iguanas marinhas, tartarugas, crocodilos, cobras de água, focas e otárias. Nenhum outro mamífero terrestre possui glândulas lacrimais. Estas glândulas, na nossa espécie, podem ser um vestígio de um mecanismo primitivo de eliminação de sais corporais.

Uma das diferenças mais óbvias quando comparamos um rosto humano com o de um chimpanzé é o nosso nariz. O nariz é uma característica que partilhamos com outro macaco (o tal probiscis monkey de há pouco), que é um macaco nadador.

Enfim, depois desta longa e exaustiva explanação, só me resta dizer que tudo isto me fascina. Faz todo o sentido. Será esta a explicação para a estranha e misteriosa empatia existente entre os humanos e os golfinhos? E as baleias? Já se imaginaram (ou melhor, já imaginaram os nossos antepassados) a nadar ao lado de baleias e golfinhos, e, quem sabe, a comunicar com eles/elas?



(informação extraída do livro Scientification of Love, de Michel Odent)

3 comentários:

Alex disse...

Não sei se foram os macacos mas tu sabes que eu acredito que viemos do mar.

Adorei esta reflexão.
Beijo grande, grande.



Estou perto de te dar um abraço.
Mandei uma proposta por mail para um programa ao fim do dia ...

Anónimo disse...

Olá Papu!

Desculpa o comentário mas há no que escreves muita especulação. Parece-me que a cada argumento que dás a favor da origem marinha se pode contra pôr um ou dois no sentido contrário...

Mas não deixa de ser uma ideia bonita.

Beijinhos,
PedroR

papu disse...

Pedro, não acho que sejam especulações, são hipóteses fundamentadas por dados científicos. Não transcrevi todas, mas no livro as notas referentes às investigações relativas a esta teoria são imensas. Aliás, esta teoria já é velha, já tinha lido sobre ela aqui há uns vinte anos no Macaco Nu. É claro que são apenas hipóteses, e, como tal, possivelmente contestadas por outras evidências científicas. Mas que fazem sentido, fazem. Não é estranho que o nosso cérebro seja mais parecido estruturalmente com o de outros mamíferos marinhos do que com o dos nossos parentes mais próximos, os chimpanzés?

Beijos