Às vezes, vamos na rua e deparamos com uma árvore, no meio de um passeio público, cujo tronco está coberto até meio com arranjos de flores. De outras vezes não é uma árvore, pode ser um banco perdido num relvado, ou uma esquina, ou a porta de uma caixa de alta tensão. As flores, de pétalas mudas, e nós ficamos a olhar e a imaginar o que será aquilo. Será que morreu alguém? Parece óbvio. E então olhamos em volta e reparamos que há tantas mortes ao nosso redor e isso é profundamente estranho. Quer dizer, não é o facto de morrerem pessoas que é estranho, é antes a marca que fica, que nos dá a conhecer, que nos espeta na cara com a realidade violenta. Morre gente todos os dias, nós sabemos, mas são mortes anónimas, confortavelmente anónimas. Ficamos com curiosidade de nos aproximar e espreitar os cartões que pendem de algumas das flores, para ler o que lá está escrito. Mas é uma curiosidade mórbida. Ao mesmo tempo não queremos aproximar-nos. Eu, geralmente, rapidamente desvio o olhar, e nem quero saber. Tenho medo de me aproximar, como se o facto de saber o que se passou possa atrair alguma desgraça.
Sim, tenho muito medo de atrair desgraças. É assim uma coisa incoerente e irracional, mas muito forte. Às vezes vivo mergulhada num pensamento primitivo e animista.
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