Ultimamente, muito se tem falado sobre o acordo ortográfico.
Eu tenho ouvido, lido, às vezes nem uma coisa nem outra.
E não me tem apetecido falar do assunto.
Hoje apetece-me.
Eu, por acaso, até me faz confusão passar a escrever "ação" em vez de "acção", ou "receção" em vez de "recepção" (é que até faz doer a vista, não faz?)
Faz-me confusão, sei lá! Tenho assim uma espécie de relação afectiva com as palavras. Vi-as crescer, coitadinhas, ou melhor, elas é que me viram crescer a mim. E os meus dedos já se habituaram àquelas teclas. O que é que hei-de fazer?
(A propósito de relação afectiva, eu quando era pequena escrevia sempre "rir a bandeiradas despregadas". Achava que "bandeiradas" era muito mais apropriado ao barulho que alguém faz a rir às gargalhadas. Não sei se estão a ver, bandeiradas, gargalhadas... pois. Às tantas alguém me emendou, e eu não queria acreditar. Não era possível! "Rir a bandeiras despregadas?" Bandeiras? Mas isso tinha algum jeito? Tive de me certificar, e mesmo assim achava aquilo um erro imperdoável. Passei a escrever a "bandeiras despregadas", isto é, conformei-me ao erro, mas desconfio que, cá no fundo, não abdiquei das "bandeiradas". Mas adiante).
Bem, imagino que as pessoas, quando tiveram de começar a escrever "farinha" em vez de "pharinha" e "farmácia", em vez de "pharmácia", também tenham protestado com veemência. Acredito até que se tenham juntado, organizado, e tenham criado uma espécie de associação dos amigos do "ph". Devolvam-nos o "ph" - era o seu lema - o "ph" resume a nossa identidade ortográfica. Sem o "ph" não passamos de um bando de órfãos da língua materna.
(Uma vez, em criança, vi uma pharmácia. Palavra! Estávamos de férias no Algarve, já não me lembro aonde exactamente, mas era assim uma terra pequena. Estava no carro com a minha mãe e o meu irmão, e o meu pai, ou tinha ido pôr gasolina, ou tinha ido comprar umas águas à mercearia em frente. Estava muito calor dentro do carro, as janelas estavam abertas - ainda não havia ares condicionados - e então eu olhei para o outro lado da rua, e lá estava ela. A pharmácia. Era o que estava escrito no letreiro de néon, apenas umas letras brancas e volumosas, àquela hora do dia. E eu perguntei, muito espantada: "ó mãe, o que é uma parmácia?", ao que ela me terá esclarecido. Desconheço se a pharmácia ainda existe, ou se já foi subsituída por uma farmácia. Suponho que sim. Ou talvez não. Porque, das duas uma, ou o dono da farmácia - perdão, da pharmácia - era um dos descendentes ideológicos desses adeptos ferrenhos do "ph" - que ainda hoje os há, num artigo comentado do Sol havia um leitor a defender que ainda deveríamos escrever com "ph", juro! - ou então, era um português comum, daqueles que pensam, com um encolher de ombros: "mudar, para quê? Então estamos assim tão bem... e depois, já viram o trabalhão que isto agora me dava, mandar fazer outro letreiro? Sem falar no dinheiro! Não, deixa lá, fica assim, afinal, não faz mossa a ninguém...")
Pois é, já pensaram na carga de trabalhos que isto vai dar? Já pensaram nos desgraçados dos editores (a pena que eu tenho deles!), a terem de republicar milhares de livros, o prejuízo que isto vai ser, meu Deus! Mas isso é o menos, porque o mais importante, é a nossa raiz, a história da nossa língua, a nossa identidade linguística e cultural. Essa é um património de todos, que todos têm o dever de preservar.
Acho que sim, pá. Vamos continuar todos como aquela velhinha, tão velhinha, que a última vez que phodeu... sim, já sabem como foi.
2 comentários:
Obrigada pelo retorno. Coloquei também um link do seu blog no meu. Não sei por que, não consegui acessar o meu através do seu, se você puder, confira o endereço. É www.lelenalucas.blogspot.com
Até as próximas leituras!
Ah! As ilustrações são minhas sim. E por aqui, há muito não temos accções e sim ações. Fazer o que?
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