quinta-feira, abril 24, 2008

Colecções

Tenho andado a pensar numa limpeza geral...
Por limpeza entendo não só o acto de limpar propriamente dito, mas também o de deitar fora.
Temos coisas a mais.
Sempre tivémos.
Neste momento, o mais urgente são as roupas. Roupas que nunca se usam mas que lá ficam, a encher as gavetas e os armários.
Estou cansada de tanta coisa.
O lixo acumula-se sem darmos conta.
As estantes enchem-se, transbordam.
E pesa cada vez mais, este fardo.
Depois, há outras coisas, outros fardos, a juntarem o seu peso, à distância.
Tenho um sótão atafulhado de estantes carregadas de livros, de armários, mesas e cadeiras desmontados, de papéis perdidos em gavetas.
Os meus livros. A acumularem pó.
Estive lá há pouco tempo, a olhá-los, sem conseguir aproximar-me, devido à quantidade de coisas no chão. O pó entre mim e eles.
O vento que entrava pela janela arrastava no ar uma poeira imensa, uma vastidão de ácaros misturados com os cheiros dos objectos, cheiros antigos, tão recentes, mas com a consistência de séculos.
Como é possível, guardarem-se os restos de uma vida?
Uma vida? Que digo eu? Um quinto, talvez. Ou nem isso.
Há quem coleccione selos, moedas, carimbos.
Há quem coleccione segredos, medos, credos.
Há quem coleccione doenças. Desgraças. Lágrimas. Tristezas. Lutos.
Há quem coleccione amores. Casos. Calores.
Há os que coleccionam rancores. Dores. Plantas de estufa.
Há os coleccionadores de gado, de troféus, de antiguidades, de pratas, de nomes, de bengalas, de chapéus.
Também há os de histórias. De pedras. De conchas. De estrelas.
Borboletas. Insectos. Animais empalhados.
Lembranças.
Cartas.
Canetas.
Bilhetes de autocarro, de avião, de comboio, de cinema.
Isqueiros.
Cinzeiros.
Perfumes.
Facas.
Postais.
Há quem se rodeie de coisas, quem se encha de tudo e mais alguma coisa apenas para não sentir o vazio.
Eu, colecciono restos.
Restos de mim. Do que fui, do que não fui, do que poderia ter sido.

3 comentários:

José Antunes Ribeiro disse...

Olá Papu!
Como eu te compreendo. O saudoso Fernando Assis Pacheco disse um dia que eu era coleccionador de colecções...
Um grande abraço! 25 de Abril SEMPRE!

Lelena Lucas disse...

É, Papu, fiz anos sim. E especialmente neste momento seu texto cabe como uma luva. Quem não tem um monte de guardados esquecidos não é? As coleções do passar dos anos... Há que se fazer espaço mesmo, pra respirar mais, pra fazer lugar para novas delícias (de preferência!). Obrigada pelo carinho.

morfose disse...

Gostei muito deste texto. :-)