quinta-feira, maio 15, 2008

Outro livro


Do fundo do coração

Mary Lawson


Este livro mexeu com as minhas emoções. É sobre um luto, ou antes, vários lutos, e denota um conhecimento profundo da alma humana. Não um conhecimento teórico e desligado da realidade, mas aquele que se constrói dia-a-dia, vagarosamente, sem rumo definido, sem rosto, como um rio que lentamente corre para o mar, e na sua corrente vai arrastando a lama das margens e as pedras do fundo, incorporanda-os e dinamizanda-os na sua essência líquida e em constante movimento.

Todos nós temos os nossos lutos, mais ou menos presentes. Todos já percorremos esse caminho, às vezes um atalho de sombras, ou uma estrada plana, ou simplesmente um carreiro oculto entre a densa vegetação que nos fustiga e arranha os braços. É por isso que este livro fala a nossa linguagem, aquela que é comum a todos, independentemente da língua. São atalhos esquecidos, perdidos há muito dos nossos pés, que nos conduzem a charcos estagnados de águas profundas, onde o mistério da vida se renova a todos os segundos, e nos oferece o fascínio da nossa própria sobrevivência, aquela bolha de ar que alguns insectos transportam para dentro de água, agarrada à camada de pêlos quase invisíveis a olho nu, e que lhes permite mergulhar no mistério aquático e por lá ficar até a reserva ambulante de oxigénio se esgotar. Esse gesto, tão simples, ensina-nos a sobreviver. Porque o que nos rouba o oxigénio não são os cadáveres que enterrámos pelo caminho e que lembramos com um sorriso triste nos lábios, mas aqueles que transportamos às costas, teimosos, solitários, pelos passos dos dias subitamente eternos de dor e de vazio incompreensíveis.

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