segunda-feira, junho 09, 2008

Estranhíssima

Hoje, com a temperatura a chegar aos 27 ºC, o pessoal bafejava e suspirava.
Os ingleses fervem em pouca água. Também em pouco ar. E, à falta de janelas para abrir (nas casas), ou melhor, à falta de janelas que se abram como deve ser (aqui as janelas não abrem como as portas, aliás, devia-se inventar outro verbo para usar com janelas, outro que não o abrir), acabam por resolver abrir as janelas do corpo (metáfora braba!), ou deveria antes dizer as cortinas? Pronto, passe a expressão - tiram a roupa. Não toda, como é evidente. A que é possível, aliás, aceitável. Depois, põem-se a tostar ao sol nos relvados, como se estivessem na praia.

Os ingleses, ao contrário de nós, são calorosos com as palavras. Não se beijam nem tocam como nós (nas ocasiões sociais, entenda-se), mas em contrapartida lambem-se com palavras (se não gostarem do verbo lamber aqui empregue, pensem noutra coisa qualquer, assim melada, com muito mel, sei lá, melam-se, por exemplo - nem sei se existe - mas vá). Querida, amor, doçura, fofura, queridinha, e por aí fora. Nós, ao contrário, reservamos estes exclusivos para a intimidade, e decerto coraríamos até às orelhas se o farmacêutico nos tratasse por amor à frente de toda a gente.

À hora da saída da escola o recreio enche-se de pais, mães e alguns avós que esperam pelos miúdos. Se, por um lado, há cada vez mais caras que me sorriem e cumprimentam, por outro continua sempre, perplexa e intacta, a mesma estranheza. Há pessoas que parece que alugaram um metro quadrado do recreio, pois é sempre para o mesmo sítio que se dirigem, todos os dias. E não arredam pé. Há, por exemplo, pequenos grupos que se encontram sempre nos mesmos sítios - ao lado do canteiro, debaixo do alpendre, encostados à cerca. Às vezes, quando chego e vejo algumas pessoas que conheço nos seus postos habituais, vou ter com elas para dois dedos de conversa. Mas o contrário, nunca acontece. Quando chego primeiro e me sento num dos bancos, já sei que ninguém vem ter comigo. Cada um tem o seu território, e é para lá que vai. Quando muito, acena de longe, com a mão.

(Como se estivéssemos em margens diferentes do mesmo rio).

Eu, tenham lá paciência, nunca me sento no mesmo sítio. E sim, já aprendi a ignorar quem não se pranta mesmo à minha frente. Ou a acenar com a mão indiferente.

Mas a estranheza, essa, fica cá.

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