sábado, março 06, 2010

Podemos chamar-lhe outro nome

O bullying agora anda na moda, sim, e eu às vezes acho que ainda bem. Só temos de nos deixar desta mania de o procurar (apenas) nas escolas. Aliás, os piores bullies andam por aí entre nós, alguns muito bem vestidos e ocupando postos muito bem cotados dentro da sociedade. Os bullies são uma espécie em crescimento esponencial porque o esquema complexo das relações entre seres humanos acaba por lhes oferecer o fertilizante para o pasto, digamos assim.
O bullying praticava-se e pratica-se em muitas casas, de pais para filhos. Aliás, os bullies são as vítimas de bullying que, não tendo conseguido ajuda, acabaram por agir no exterior as incongruências afectivas que foram incapazes de gerir. Na geração dos meus pais e nas anteriores o bullying era praticado nas escolas, pelos professores e agentes educativos. Não digo que as crianças fossem uns anjinhos, não eram. O que digo é que o fenómeno não é novo e é universal. A diferença é que se fala dele, e isso é bom.
Digam-me o que disserem, os bullies criam-se em casa. Não, não tem nada a ver com a televisão nem com os jogos no computador nem com as DS nem com as wii. Os bullies criam-se em casa e na relação que criamos com os nossos filhos. Quando não lhes sabemos por limites, quando não nos zangamos ou o fazemos de forma inconsistente. Quando somos nós os bullies e os maltratamos. Quando fechamos os olhos ao comportamento agressivo dos miúdos, porque assim é que se faz um homem, na porrada. Acham que exagero? Há uma coisa cultural muito portuguesa, muito latina, de que, para se crescer, é preciso levar porrada da vida. E há muitas mães e muitos pais que mal conseguem disfarçar o orgulho porque o seu Zezinho dá conta da miudagem toda lá da escola. Mais vale que bata do que estar sempre a levar, é outra coisa que muita gente pensa. Ainda que não o diga em voz alta. Porque um homem não se acovarda. Pior do que ter um filho que bate é ter um que apanha. É ou não é?
E depois há aquela coisa dos queixinhas. Os queixinhas são os bufos. Os que andam sempre a correr atrás dos pais e dos professores, o não sei quantos bateu-me, a chorar como uma menina... Que vergonha! Os miúdos têm de aprender a defender-se sem estar sempre à espera de que vamos em seu socorro! Nós, que crescemos no meio da selva, a receber pontapés e arranhões, e que apesar de tudo sobrevivemos, achamos que assim é que é, assim é que se faz um homem! (ou uma mulher). Acabamos a dar aos nossos filhos o mesmo inferno de que fomos vítimas.
O bullying está entranhado em cada um de nós. Com outro nome, talvez. Ainda bem que se fala tanto disso hoje. O que falta é começarmos a olhar para dentro. Sem medo. Porque o bullying alimenta-se do medo.

3 comentários:

Alex disse...

isto devia ser lido em praça pública, não achas? Em voz alta. É uma situação séria e deveras preocupante quando se estende às crianças. Conheço um caso, os pais são meus amigos, e te garanto que andam desesperados. Vão alterando um com o outro e tentam estar na escola a horas do intervalo e da saída ...

eu acho que perdia a cabeça ...

papu disse...

podes crer eu tb não sei o que faria...

já ouvi falar de casos de pais que ameaçam crianças, aqui numa escola. e de headteachers que não fazem nada. é isso que não pode ser. a escola não se pode amedrontar. tem de haver tolerância zero. eu gosto da forma como aqui (em alguns sítios, não é em todo o lado) se lida com a questão, porque é isso mesmo: não podemos acabar com o bullying, mas podemos fazer alguma coisa. Não fazer nada é o pior que se pode fazer.

Aureliano Vedora disse...

No global, até concordo contigo, porém... há sempre um porém... serei mais ou menos da tua geração e tal como o identificas, o "bullying" não é coisa de agora, é algo transversal em termos temporais, espaciais e até de género (dos últimos 5 casos reportados em Portugal, 3 sucederam com raparigas).
Voltando atrás, no fervor dos anos 80, também eu apanhei, pudera, toda a gente apanhava, mas tal como grande parte dos miúdos naquele tempo, aguardei pacientemente a minha vez para responder condignamente quando, por volta dos 14/15 anos me apercebi de uma transformação no meu corpo, motivada pela prática desportiva.
E hoje, não me incomodo absolutamente nada, com a noção de justiça que então assimilei, malhando nuns quantos que em mim e noutros, menos propensos à resposta, haviam malhado.
Resumindo, creio que o "bullying" se encontra na cabeça de cada um, e discordo da ideia generalizada de que todo o "bullye" reproduz comportamentos apreendidos, motora ou sensorialmente; nem todo o homem/mulher é bom por natureza, nem é o meio, entenda-se família e sociedade civil, que o desvia.
Há por aí muita criançinha, nada e criada em lares agregados e equilibrados, a habilitar-se a um "Stôr Rambo" e a uma "Stôra Lara Croft", lá isso há...!