domingo, março 14, 2010

Pós mágicos

As horas sem dormir acumulam-se algures atrás dos olhos. Oiço o meu filho dizer-me, no meio da febre: mãe, parece que oiço a voz do pai, na minha cabeça. Simplesmente isto já foi há uns anos, e era o mais velho que estava febril. O mais velho que, nessa altura, devia ser mais novo que o mais novo. Mãe, não consigo dormir. Isto oiço quase todas as noites, tanto de um como de outro. Esperam talvez que eu tenha algum pó mágico para por as pessoas a dormir. Gostava de ter. Pós mágicos. Se pudesse, voltava para a cozinha da minha avó. Para a Mariana a amassar a massa dos rissóis. Para o cheiro da açorda e do rádio ligado na mesa do almoço. Menina, que polos conhece? Conheço o polo norte, o polo sul e o polilon... E para os dias de sol a bater na água do tanque onde as mulheres lavavam a roupa. O cheiro do sabão nas mãos gretadas. Para as vacas a descerem a rua na direção do bebedouro. Para os canudos que íamos buscar à loja do meu avô, e que trazíamos para casa a arrastar pela calçada. Quando chegávamos já estavam meio desfeitos. O meu irmão e os meus primos jogavam à espada com eles. Eu brincava com a minha prima e com a Ló às professoras. Íamos buscar canas que eram os ponteiros para darmos na cabeça dos alunos. Seguíamos o exemplo, pois. Tinha muito medo dos ciganos. E dos cavalos. Também tinha medo do escuro e de subir as escadas da casa, à noite, para ir à casa de banho. Andava de bicicleta na varanda e caía e voltava a levantar-me. Tocávamos às campainhas de quase todas as portas e fugíamos à gargalhada. Lembro-me de uma campainha que gostávamos bestialmente, que se puxava por uma argola de ferro. As escolas primárias eram todas iguais. Na escola da mata dava aulas a Natália e na mata havia o homem do saco. No mercado comprávamos brinhol que sabia a óleo queimado e a grãos de açúcar e era uma delícia. Havia a velha das castanhas, ao lado da sua barraca velha como ela, e os gelados da loja do Jaquim Manel. As decalcomanias que comprávamos na Aníbal e as ruas em degraus tão inclinados que subi-los era perverter a gravidade. Havia a serra dossa lá ao fundo, o monte da maia e o cheiro da lenha a queimar no frio do inverno. O ribeiro lá ao fundo e as estevas a colarem-se-nos à roupa e a deixarem-nos as mãos peganhentas. Havia a chuva que caía durante dias seguidos e fazia barulho a bater nas pedras. Havia as pedras do chão. E havia os gatos que adoptávamos e dormiam tardes inteiras aquecendo-nos o colo, ao quentinho da lareira.

1 comentário:

tilena disse...

Bonito Papu!!!!

Bjocas