quinta-feira, maio 27, 2010

Esperança

Ouço as batidas na porta. Uma, duas, três vezes. Urgentes.
Três é a conta que Deus fez. Eu não acredito. Em Deus.
Outro dia um idiota qualquer, de uma igreja qualquer, perguntava-me como é que eu podia viver sem esperança, uma vez que não era crente.
Enfim. Voltemos às batidas na porta.
Tenho as mãos mergulhadas numa água suja, uma água muito antiga, um rio a que não vislumbro o fundo.
Que disparate. É apenas a água onde lavo a loiça. As mãos cheias de espuma.
Passo-as por água e seco-as apressadamente. Quando chego à porta, há apenas um envelope branco e breve no chão. E tem o meu nome escrito.
Abro. Leio. Um suspiro fundo atravessa-me a alma.
Algo como uma pequena luz. Uma abertura, lá muito ao fundo, neste universo irrespirável. A imensidão de um céu aberto e a ânsia voraz de abrir a asas. Eu. Eu. Sei que vou lá chegar. E sei o que vou encontrar.
Não sei, mas é como se a dúvida, o desconhecido, fosse a mais formidável das certezas.
Lembro-me do idiota e abano a cabeça. Sorrio.
Sabe lá ele o que significa isso, ter esperança.
E nem tem consciência da sua ignorância. Como todos os idiotas que se prezem.

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