terça-feira, junho 08, 2010

CHERUB

O meu filho anda entusiasmadíssimo a ler os livros da CHERUB. Eu também, diga-se de passagem. Gosto de ler livros juvenis, e em inglês junto o útil ao agradável. Hoje ele comentava que "Mr. Large ir really mean..." Eu aproveitei para dizer-lhe que acho a forma como tratam os miúdos inaceitável. Ele, apesar do inaceitável aos meus olhos, gostaria de andar numa escola assim. Claro, penso com os meus botões, qual não é o miúdo da idade dele que não deseja ver-se envolvido numa excitante empreitada, ainda para mais espionagem, a brincadeira preferida de todos eles...
Falando a sério, e porque acho que os livros, apesar de ficção, têm também muito de realidade (a realidade da imaginação é talvez aquela que se aproxima mais da verdade, seja lá o que isso for), a ideia de crianças espiando criminosos é atraente e faz-me sorrir... Talvez aquela parte de mim ainda meio criança, meio adolescente, que deseja fazer justiça a todo o custo. Crianças espiando antigos oficiais e generais alemães, durante a segunda grande guerra, e ajudando a derrubar o nazismo, quase que me traz uma gargalhada à garganta... E novamente aquele sentimento juvenil e tão pueril da justiça. Bom. Apesar do sorriso (e talvez por causa dele), tudo isto, todos estes sentimentos ingénuos (chamemos-lhe assim) são para mim um sinal de alarme. Porque roubar a infância a uma criança é sempre um ato abjeto, seja lá com a desculpa que for. Seja para espiar nazis, traficantes de droga, terroristas, o diabo a quatro. As crianças têm direito a ser crianças ponto final. "But it's their choice, and they can quit when they want", dizia-me o meu filho. Sim, filho, é verdade, mas como posso explicar-te, a ti que tens 10 anos, que aos 10 anos nenhuma criança está apta a tomar uma decisão dessas, com consciência e em perfeito poder de uma vontade autónoma? Está claro que aquelas crianças não são umas crianças quaisquer. Órfãos, algumas abandonadas pelos pais, ou retitadas aos pais, a maior parte vítimas de maus tratos, abusos de toda a ordem, que acabam em instituições ou casas de correção, e são depois recrutadas em segredo para engrossar as fileiras deste exército de jovens espiões. Condenadas a uma vida de violência e crime, detenções sucessivas, marginalidade, enfim, o pior dos cenários. Uma vida de miséria em troca de outra, de reconhecimento, em que as mesmas crianças que de outra forma talvez acabassem com uma facada ou um tiro na cabeça numa esquina qualquer são usadas como agentes infiltrados na perseguição a criminosos de alta envergadura. A palavra é essa, usadas, e a infância fica-lhes no fundo de um poço, para onde é despejada sem remorso. O treino é uma sucessão de humilhações e maus tratos, tudo em nome da dureza de espírito que o seu novo papel requer. É melhor do que apodrecer numa prisão ou acabar com uma bala na cabeça ou uma overdose num beco escuro. Isto deveria, então, bastar para nos acalmar a consciência. A mim, porém, não basta.

(Na capa, há uma frase do Sunday Express que diz que oxalá tudo aquilo fosse realidade. Eu penso com os meus botões, ainda bem que é ficção. Pensar que poderia ser verdade faz-me arrepios e traz-me à cabeça imagens de crianças soldados em guerras reais, crianças talibãs empunhando metralhadoras em treinos marciais. A diferença não seria nenhuma.)

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