quinta-feira, julho 15, 2010

É tempo

O silêncio foi, durante muito tempo, a melhor ilusão. Quase uma companhia, aquela mão na cabeça, o carinho que nos aconchega e nos assegura que está tudo bem. É isso que dizemos aos nossos filhos quando lhes adivinhamos o medo, vai ficar tudo bem, a mãe está aqui. Não é peciso que seja verdade. É preciso apenas que transpiremos segurança, força, amor.
Pois o silêncio era isso. Essa falsa sensação de segurança. Falsa, porque silenciosa. Solitária, e não solidária. Nascida da impotência. Um silêncio como um remendo atabalhoado em algo a rebentar pelas costuras. Uma mordaça. Que não se via.
Uma ferida muito antiga, com carradas de silêncio por cima, e, para espanto, estanque. Ausente. Uma ferida que não sente. Um corpo que deixou de o ser, um corpo que apenas ficou. Apenas. Imóvel. Paralisado. Qualquer movimento uma derrocada.
Qualquer palavra. Por isso o silêncio, para suportar as paredes, os muros erguidos com a força de um cansaço alienado.
Silêncio de pedra. Impenetrável.
Às vezes, quase um abraço. Frio, apesar de tudo. Um aconchego, um velho cobertor a cheirar a mofo e a coisas mortas.
A morte, porém, pode fazer-nos companhia, quando nos sentimos mortos por dentro.
Assim como o silêncio, quando só habitamos vales desertos e inóspitos.

Agora, porém, é altura de começar a quebrá-lo. Ao silêncio que nos resguardou, que quase se nos colou à pele.
E que medo da nudez, da avidez, da ânsia de um olhar que nos dispa, que nos toque, que nos sinta.
Que nos viva.

É tempo. Nunca é tempo; e no entanto, ele chega.
O tempo de diluir o silêncio na voz.

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