segunda-feira, dezembro 20, 2010

Se calhar era melhor estar mas é calada

Santa Maria, mãe de Deus, bendita para sempre entre as mulheres; meu Pai que estás no céu e tudo vês e perdoas; perdoa-me a mim, que no fundo não passo de uma pobre pecadora. Devia até penitenciar-me, martirizar-me, flagelar-me, imolar-me no meio da praça, para que todos fossem testemunha da nobreza da minha alma aspirando ao fogo eterno que tudo lava e purifica. Pois não ousei eu usar o verbo pecaminoso, aquele que deveria ser banido dos textos sagrados, que nos amordaça e escraviza; aquele que, é em si mesmo, morte e estagnação? Até tenho medo de escrevê-lo de novo, os meus dedos tremem só de soletrá-lo, ao verbo calar; ainda para mais no presente do imperativo, cala-te, o que vale é que não acrescentei um ponto de exclamação, que aí é que o meu pecado não teria perdão, e estraria decerto condenada às chamas do inferno. Como foi possível tal palavra me sair das mãos, misturada com doses de veneno e ódio, impróprias para a condição de uma mulher da minha idade, uma mulher que afinal viu nascer a revolução e o corte com todas as formas de censura e repressão? Um verbo como este tem de ser banido do vocabulário, e já! Não apenas este, porém; todos aqueles que derivam dele, como silenciar, amordaçar, reprimir, censurar, e por arrastamento, cerrar, oprimir, castrar, aniquilar, matar, acabar, fechar, encerrar, prender, enfim, a lista é interminável, se pensarmos bem; não é tarefa fácil, mas não podemos cruzar os braços e adiá-la, porque é imperativo acabar com esta ideia, esta mentalidade repressora que nos envenena o espírito e a iniciativa e a liberdade de expressão. Não podemos permitir que mentes devassas e reacionárias, mascaradas com discursos pós modernistas, usem e abusem de verbos deste calibre e, como se isso não bastasse, os exponham em letras grandes. A fogueira, minha Santa Mãe, a fogueira, para imolar da miséria linguística todos esses incautos que nem sequer têm consciência do que dizem ou do que escrevem, e nos quais tenho, por força dos meus pecados, de me incluir. Bem haja aos iluminados que por aqui andam e que conseguem, meticulosamente, trazer à luz toda esta corja de pecadores. Bem haja, que será deles o reino dos céus.

2 comentários:

José Palmeiro disse...

Gosto muito deste teu escrito!!!
E sabes que mais, são mesmo coisas do"Arco da Velha"!!!

papu disse...

são mesmo, mesmo do arco da velha! sabes que eu costumo ser muito discreta nestas coisas, mas acho que desta vez vou abrir uma excepção:

http://vacagalobarcelos.blogspot.com/2010/12/just-one-more-wiki-leads.html

descobri esta pérola quando andava a vasculhar o traffic sources no sitemeter :P