quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Vida emprestada

Mas há uma coisa que me ficou aqui a martelar na cabeça. Até porque não é a primeira vez, e nem será a última, que a ouço; já noutro dia um outro tipo me bateu à porta, com a mesma conversa da treta (e era português, ainda por cima, e cumprimentou-me com um bom dia que me deixou boquiaberta, como raio é que o homem sabia que eu era portuguesa?); perguntava-me ele como é que eu podia viver sem esperança, uma vez que não acreditava em Deus. Hoje a senhora veio com uma conversa semelhante: se é verdade então que surgimos do nada, de um mero acaso, então qual o sentido da vida? Se ninguém nos criou com um propósito, então andamos para aqui aos caídos, sem nada a que nos agarrar, sem rumo, completamente perdidos. Não consigo, por mais que me esforce, entender este argumento. Quer dizer que para encontrar um sentido para a vida eu tenho de acreditar que essa mesma vida não surgiu do acaso, de um conjunto, ainda que feliz, de acasos, mas foi antes fruto da obra de um criador? Uma instância superior que nos terá criado com um propósito e uma determinação à partida? Quer dizer que essa gente só consegue encontrar um sentido para a própria vida se este vier de fora, for ditado por alguém ou alguma coisa; alguma coisa que só está lá para isso mesmo, para dar um sentido à existência? Quer dizer que somos apenas marionetas, e delegamos o destino e a sorte dos dias num Deus que nos guiará o caminho, porque sem essa luz estamos perdidos? Não. O sentido da minha vida sou eu que o desenho, e o caminho o que os meus pés escolhem. Que é, e ainda bem, diferente do do vizinho do lado. Eu não quero que ninguém me escolha o destino, nem que o determine à partida; quero ser eu a criá-lo. Sou eu a criatura e o criador. E o olhar de pena que me deitam, e as perguntas idiotas, como essa de como é que posso viver sem esperança (sem esperança?), eu devolvo. Porque tenho muita pena, mesmo, de quem só sabe viver uma vida emprestada.

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