domingo, abril 10, 2011

Crónicas de uma violência doméstica (2)

Engrenagem

Não que a sua vida fosse parada, bem pelo contrário.
O tédio era outro.
Uma máquina a trabalhar há décadas, que subitamente adormece pelo constante ruído e trepidação das engrenagens.
Era assim a sua vida.
Uma máquina em funcionamento.
E, o que era pior, não uma máquina autónoma, onde às vezes, com muito esforço, ainda podemos vislumbrar algum traço identitário, algo semelhante, talvez, a uma vontade, ou a um princípio de vontade.
Não, não era nada disso. Era, tão só, uma peça da monstruosa maquinaria envolvente.
Quem a pusera a trabalhar, quando e para quê, já não se lembrava.
Apenas se lembrava de existir, assim.

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