sexta-feira, setembro 30, 2011

Personal fiction 2

Há anos que minto compulsivamente. A compulsão permite o controlo da ansiedade. Através de um comportamento, desviamos a atenção da derrocada eminente. Tememos de tal maneira que o mundo desabe na nossa cabeça que dispendemos uma atenção permanente aos mais ínfimos sinais. Modo: alerta vermelho. Constante. E às tantas habituamo-nos, e quando percebemos uma acalmia aparente, desconfiamos. Se rimos, fazemo-lo para dentro, não vão as gargalhadas detonar o inevitável. E o inevitável, já sabemos o que é, já lhe vimos sentindo o cheiro há décadas; desde sempre; talvez desde o início, o lago primordial e amniótico. Esse parece ser o único refúgio digno do nome; o único lugar na terra onde podíamos fechar os olhos. E é para isso, para fechar os olhos, que enfeitamos a realidade. Mentimos. Afinal, sempre nos disseram isso mesmo: que os sapos se transformam em príncipes, que as criadas se transformam em princesas, que as bruxas acabam no fundo de um penhasco. Não custa nada alargar a fantasia, como quem baixa uma bainha, para nos conseguirmos enfiar lá dentro. E, depois de passajado, limpo a seco e engomado, ninguém nota que o tecido é falso.

Há anos que minto, portanto, para que o teto não me caia em cima.

Talvez esteja na hora de parar, e olhar para cima. Avaliar as traves do teto e decidir se vale a pena chamar um empreiteiro.

1 comentário:

Isabel Metello disse...

Já ter consciência que mente compulsivamente já é um passo em frente, conheço gente mentirosa compulsiva que não pára...o próximo passo será tentar deixar de mentir e eleger a Verdade como Prioncípio- vá, cada pé um passo- não exija demasiado de si...