sábado, novembro 12, 2011

Sorriso fossilizado

Ela olhou para mim e faltaram-me as palavras. Há qualquer coisa nela, nos olhos talvez, que me rouba o à vontade; qualquer coisa que sempre me deixa dividida entre a vontade de ficar, abraçar o momento, e de fugir. Acho que daria uma boa personagem. A cara, magra, angulosa, e os olhos pretos, escavados, fazem-na parecer uma bruxa. Uma bruxa das estórias para crianças, ou pelo menos aquilo que imaginamos quando pensamos numa bruxa de carne e osso. Também daria uma madrasta má bastante convincente. Isto porque os olhos guardam um brilho cruel que se adivinha multifacetado para lá do visível. Aqueles olhos poderiam levar-nos ao inferno, ou a qualquer lugar remoto onde o sofrimento se instalasse sem demoras nem vagares. E porém, ao segundo olhar, apercebemo-nos do engano. Não, não é apenas crueldade que mora neles; talvez até a crueldade mais não seja do que a frieza à superfície das águas. Sim, olhando melhor vemos a liquidez de uma tristeza infinita, um choro contido que não tem fim. Talvez por isso o seu melhor sorriso sempre me tenha constrangido, como se ele, o seu sorriso, fosse um cachecol que ela usasse num dia tórrido, de uma cor impossível, que não combinasse com nenhuma outra. Um sorriso mentindo descaradamente, colado ao rosto contra a vontade. O brilho dos olhos divorciado da boca rasgada, aberta, de cantos para cima. O rosto, contudo, poderia ser infinitamente belo no momento em que transbordasse, por fim, toda a tristeza contida em poços de água lodosa. Transformada em água límpida, verter-se-ia no olhar que, por fim, seria verdadeiro. E assim aquele sorriso, de tristeza a boiar nos olhos, seria lindo, e puro, e infinitamente doce.

Depois estremeci. Seria o meu, também, um sorriso falso, postiço, que só pudesse habitar as lágrimas? Um animal aquático incapaz de respirar o ar e pousar o pé em terra firme, para sempre perdido por terrenos aquosos de mágoas, águas que nunca estancam, incansáveis, eternas, imutáveis?

Seria o meu sorriso um fóssil marinho encontrado por engano em terreno inóspito, o meu rosto, de terra seca, infértil, no interior recôndito de um país longínquo?

Teria de escavar, desenterrar antigos estratos geológicos de períodos mortos com nomes impronunciáveis para o encontrar?

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