Um desempregado é alguém que não trabalha, dirão. Então a pergunta que se deve colocar antes é, o que é trabalhar? No dicionário online da Porto Editora encontrei alguns significados: preparar para um dado fim; melhorar (algo) através de trabalho mental; instruir; formar; treinar; exercitar; lidar com; enfrentar; negociar; empenhar-se; esforçar-se; fazer com arte; contribuir. Há mais, mas em nenhum deles trabalhar pressupõe remuneração.
Sendo assim, um desempregado é alguém que trabalha sem ser remunerado. As circunstâncias que o levaram ao desemprego, ou que o mantêm no desemprego, podem ser muito variadas; não é isso que está em causa. O que é importante é tentar perceber a origem da ideia de que os desempregados não trabalham. Porque essa é, quer queiramos quer não, a mentalidade que impera.
A primeira coisa que me parece pertinente referir é que não se é desempregado, está-se desempregado. O desemprego é um estado, que pode ser mais ou menos temporário; não é um adjectivo que possa definir uma pessoa ou uma das características dessa pessoa.
A segunda parte da questão prende-se com o facto de o trabalho não ser valorizado em si, mas sim através do valor da sua remuneração; e este quanto a mim é o problema. E, na minha opinião, as mulheres desempregadas têm sido (continuam a sê-lo) as principais vítimas deste tipo de mentalidade. O trabalho que uma mulher, mãe de família, tem em casa todos os dias não é minimamente valorizado. Também não o é quando é um homem a fazê-lo, parece-me - o que acontece é que os casos são (ainda) raros. E, paradoxalmente, quer-me parecer que quem desvaloriza mais este quadro da mulher que fica em casa são as outras mulheres, aquelas que trabalham. Há quase um medir de esforços, do tipo: eu, além do trabalho doméstico, ainda tenho o meu emprego, portanto estou mais sobrecarregada; elas passam o dia em casa e têm muito mais tempo para os miúdos e para as tarefas domésticas.
Quer-me parecer que as coisas não são assim tão simples. Toda a gente que tem de cuidar de uma casa e dos filhos sabe que as tarefas são ininterruptas. Não dão descanso, a não ser que a pessoa opte pelo descanso. Por outro lado, e por mais que amemos os nossos filhos, é um trabalho desgastante, não só pelo cansaço físico, mas principalmente pelo que tem de alienante: facilmente leva ao isolamento e à diminuição das competências sociais. De uma forma mais simples: a pessoa não sai de casa, a não ser para ir às compras, ou levar os miúdos à escola, ao parque, ir com eles ao médico, etc; mas o mais importante é a privação no contacto com outros adultos.
Por outro lado, as pessoas que têm um emprego usufruem dessa benesse: as horas no emprego representam uma pausa no trabalho doméstico (e aí não há outra hipótese: deixam-se as coisas por fazer) e também o contacto com outras pessoas. Se por um lado estas pessoas podem sofrer da pressão de terem pouco tempo para as tarefas domésticas e para estarem com os filhos, por outro isso significa que usufruem da tal pausa na rotina e nos afazeres domésticos que as primeiras não têm. Qual destas opções é a melhor? Eu atrevo-me a dizer que venha o diabo e escolha. Não há melhor aqui. Ambas são desgastantes, ambas envolvem muito trabalho, malabarismo e dedicação; ambas têm prós e contras.
E outra coisa muito importante: é que quem tem um emprego é pago, o que significa que socialmente o seu trabalho é reconhecido e valorizado, e isso é benéfico em termos de auto-estima; ao passo que quem fica em casa não vê o seu trabalho reconhecido. Esse é um dos maiores dramas de quem está desempregado. O seu esforço e trabalho são invisíveis, não existem. Ninguém os vê, e como tal, ninguém os valoriza.
Em relação a este último ponto, existem factores culturais envolvidos. Imaginem uma mulher portuguesa a enviar o currículo para uma empresa, onde terá escrito uma secção dizendo que passou os últimos cinco anos a cuidar da casa e dos filhos. Com certeza que isto seria recebido, senão com gargalhadas, pelo menos com um sorriso de troça. Pois fiquem sabendo que aqui, no Reino Unido, isso é recomendado. Há inúmeros sítios onde as pessoas se podem dirigir para procurar ajuda para elaborar um currículo, e nesses sítios é aconselhado que se coloquem coisas deste tipo, por uma razão muito simples: é que o facto de alguém ter passado um tempo a cuidar da casa é valorizado: isso diz aos empregadores que aquela pessoa tem boas capacidades de gestão, de organização, de trabalho em condições de stress (principalmente se tem filhos); em suma, isso abona em favor do candidato.
Em Portugal, não acredito que nenhum empregador, fosse homem ou mulher, valorizasse tal facto. Naturalmente pensariam, coitada, é maluca com certeza, para pôr uma coisa destas no currículo. E porquê? Porque uma mulher que passa anos em casa a cuidar da casa e dos filhos não faz mais do que a sua obrigação. É assim que são consideradas as capacidades de gestão e organização de uma casa e de educação dos filhos: uma obrigação das mulheres, até mesmo, e principalmente, pelas próprias mulheres. E sendo assim, quem o faz está condenada a nunca ser reconhecida nem valorizada. O que não retira em nada às sua capacidades, esforço, organização, dedicação e resiliência.
Da próxima vez que me chamarem desempregada, por favor, lembrem-se disto.
1 comentário:
Não tenho filhos, mas já estive desempregada várias vezes. Da primeira vez cuidei da minha avó que estava doente. Da última aproveitei para terminar o mestrado. E desta última vez foi com tristeza que ouvi uma pessoa próxima de mim perguntar o que fazia eu o dia inteiro em casa...
Conheço cada vez mais raparigas novas que ficam 2/3 anos em casa quando são mães. Normalmente perdem o emprego e não conseguem encontrar outro porque têm um bebé. Sabemos que isso é um factor de exclusão. Todas elas se queixam que os outros acham que elas estão à boa vida. E para encontrarem trabalho têm de omitir que têm um filho pequeno.
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