Sexta feira, 17 de Outubro. Viagem Lisboa –
Avis. Chegámos pela hora do almoço. O Clube Náutico tem uma vista deslumbrante
sobre as águas da albufeira. A comida é
caseira, muito bem confeccionada. Durante o almoço, travámos conhecimento com
alguns dos membros da ACA – Amigos do Concelho de Avis que tão bem nos
acolheram durante o fim-de-semana que durou o encontro. Eu e Fernando Dacosta
éramos os primeiros convidados a chegar. Fernando Dacosta está sempre a contar
histórias. Para além de conhecer praticamente todos os nomes da grande
literatura contemporânea, conviveu com figuras como Agustina Bessa Luís,
Natália Correia, Agostinho da Silva, Ramalho Eanes, Raul Solnado, só para citar
uns poucos. Chegou mesmo a entrevistar Salazar, o que lhe traz um manancial de
histórias de que jamais me cansarei de ouvir.
A tarde de sexta feira estava reservada às
escolas. Fui para a Escola Básica nº 3 Mestre de Avis, onde fui calorosamente
recebida na Biblioteca Escolar. A conversa com os miúdos não podia ter corrido
melhor.
Enquanto eu falava para os miúdos, chegava a
notícia de que o prémio Leya deste ano foi atribuído a um trineto do Eça de
Queiroz. Engraçado, porque eu estava a contar-lhes de como tentei, com 10 anos,
ler a Tragédia da Rua das Flores, e desisti. Os miúdos fizeram montes de
perguntas. Era essa a função deles ali: a de repórteres. Depois terão de fazer
um trabalho, uma reportagem, sobre o que ouviram. Comportaram-se à altura.
Houve alguns risinhos, como é próprio. Aliás, quando me pediram para ler um
excerto do livro, escolhi de propósito o começo da primeira voz, em que o Zé
Eduardo, mais ou menos da mesma idade do que eles, se queixa do facto de não
conseguir conter o riso. Expliquei-lhes que a acção se passa em 1954, onde
falar à mesa já era uma transgressão severamente punida; imagine-se então o que
seria rir num velório. Acho que eles entenderam perfeitamente, porque há certas
coisas na vida que atravessam séculos e gerações, e uma delas é a apetência dos
adolescentes para rir nos momentos menos próprios. Esta minha personagem foi
criada precisamente a partir desse sentimento de querer conter o riso e não
conseguir, e de tentar imaginar o que seria viver isso naquela época.
Sábado, 18 de Outubro. Depois de um avantajado
pequeno almoço no Clube Náutico, o segundo dia da 6ª edição do Escritos &
Escritores começou com Chave de Ouro: um grupo de miúdos com idades
compreendidas entre os 10 e os 14 anos leram textos e poemas inéditos, dos
quais eram autores. Posso dizer, sem sombra de dúvida (e não estarei a
exagerar) que foi o melhor momento do Encontro, tanto pela qualidade da
escrita, como pelo que ela representa: o interesse, a criatividade, a
dedicação, a capacidade e o potencial das nossas jovens crianças e
adolescentes, características de que tantas vezes duvidamos.
O Encontro congregou um pequeno grupo de
escritores, no qual eu estava incluída: Maria João Forte, Renato Valadeiro,
Maria José Fraqueza (que de fraqueza só tem o nome, como ela própria diz),
Lurdes Aguiar Trilho, Sandra Neves, António Manuel Venda, Afonso Cruz, Sandro William
Junqueira, Nuno Costa Santos e Fernando Dacosta. Alguns dos nomes dispensam
apresentações, outros, menos conhecidos, não deixam por isso de ser menos
valiosos: pessoas que se dedicam à escrita de contos e poesia, vencedores de
várias edições de Jogos Florais organizados na localidade. E não posso deixar
de referir José Máximo, que aos 89 anos de idade nos brinda com os versos
saídos do seu lápis, que têm a mestria de um poeta popular, e que a mim me
fizeram lembrar os do saudoso António Aleixo e tantos outros mestres da
palavra, nascidos na dureza do trabalho nos campos, em tempos que já lá vão.
O público, tenho de o dizer, era escasso. Mas,
em contrapartida, gerou-se um pequeno grupo muito interessado e participativo.
O melhor foram sem dúvida as conversas, à volta dos livros e da leitura, das
palavras, da poesia, e as outras, à volta da mesa e regadas a bom tinto da
região. O melhor de tudo foram as amizades que nasceram, as histórias que se
contaram e ouviram, umas com espanto, atenta curiosidade, alma e respeito,
outras com um sorriso ou mesmo gargalhadas. Houve momentos hilariantes e
descontraídos, outros houve de assombro e afinado escutar. Trocaram-se ideias,
experiências, opiniões e pontos de vista, como convém. E também olhares, e
sorrisos, e gestos, e humor, em suma, todos aqueles ingredientes necessários à
comunhão humana.
E agora, uma palavra aos escritores, aos
leitores, aos jornalistas, aos editores, em suma, a toda a gente ligada ao
mundo da Literatura em Portugal: o Escritos & Escritores possui tremendas
potencialidades. Tem à cabeça, um grupo empenhado, cheio de ideias e vontade de
fazer algo pela cultura, como é a ACA – Amigos do Concelho de Avis, que com
pouquíssimos e inconsistentes fundos de apoio organiza e leva para a frente um
evento desta natureza, recebe os convidados com uma hospitalidade e dedicação
exemplares, assegurando-lhes todas as despesas envolvidas na estadia,
deslocação e alimentação, demonstrando um esforço, não só financeiro, mas
empreendedor, notável, promotor da cultura nas escolas e junto das populações
locais. Avis é uma Vila lindíssima, palco e protagonista de um passado
histórico de relevo, de gente acolhedora, rica gastronomia e belas paisagens.
Possui infraestruturas de excelência, como um vasto auditório, onde, sábado à
noite, nos foi dado assistir a uma produção do Grupo de Teatro A Fantasia,
Versejando, que se revelou “uma viagem através das palavras dos poetas do
Concelho de Avis”, como está escrito na sinopse. Este auditório seria o palco
ideal para um evento literário à escala do que acontece na Póvoa do Varzim com
o Correntes ou em Penafiel com a Escritaria, porque os ingredientes estão lá
todos: uma equipa de excelência e um grupo de escritores e poetas empenhados e
dispostos a fazê-lo crescer. O que falta é a atenção do País e do público
interessado. Por isso, aqui deixo o meu apelo, a todos aqueles que fazem dos
livros e da Literatura a sua paixão ou profissão. Portugal, os Livros e a
Cultura agradecem.
4 comentários:
Gostei imenso de ler o teu blog.
Eu estudei em Avis, na altura Externato Mestre de Avis.
De facto em termos culturais evolui bastante, mas continua a ser a "aldeia" em que todos se conhecem.
A tua editora não consegue vir a Coimbra!!!
Quando estiveste em Leiria não tive mesmo oportunidade de lá ir. Continuo com o teu livro, à espera que no assines...Beijinhos
Cara Gabriela, venha mais vezes a Avis, pois o seu testemunho é próprio de alguém que pode fazer muito mais, pois aquilo que fez já foi muito. E Avis precisa de pessoas que possam fazer mais, sendo certo que Avis sabe reconhecer que lhe faz bem.
Obrigado.
Foi com muita emoção que li este seu texto. Fiquei feliz por ter gostado de Avis. Parte das minhas raízes estão nesse concelho. Os pais casaram lá por isso Avis foi preponderante na minha vinda ao mundo :). Não conhecia este evento que refere mas vou ficar mais atenta de futuro.Avis é uma vila tão bonita não é verdade?
Tudo de bom para si
P.S. - Comecei a ler o seu livro que tão simpaticamente autografou na Feira do Livro de Lisboa. Diverti-me muito com esse primeiro capítulo que refere.
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