"O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons", disse Martin Luther King. Eu acrescentaria a falta de vista.
Ou talvez não faça sentido esta dicotomia. Os bons de ontem são os maus de hoje, e vice-versa. Ou nem isso. Somos todos humanos, e todos temos a capacidade do bem e do mal. As escolhas que fazemos e os compromissos que assumimos é que nos tornam maioritariamente bons, ou maus (ou nem carne nem peixe).
Vem isto a propósito do silêncio à volta dos acontecimentos em Angola, que levaram à detenção de um grupo de jovens cujo único crime foi reunirem-se para discutirem formas de resistência pacífica ao poder instituído. Estas detenções, contudo, representam apenas mais um, entre muitos actos ilegais e abusivos por parte do governo angolano. A este soma-se uma infinidade de atentados contra os direitos humanos, abuso de poder, corrupção, apropriação indevida da riqueza do país, e a lista continuaria. A condenação do jornalista Rafael Marques e todo o processo judicial de que foi vítima, apenas por ter denunciado os crimes contra a humanidade e o abuso de poder levados a cabo pelo governo e suas instâncias, são mais um exemplo da forma trágica, violenta e inadmissível com que o totalitarismo em Angola é exercido diariamente.
E enquanto isto, a comunidade mundial olha para o lado e finge que não vê.
A Assembleia da República, em Portugal, poderia ter condenado a repressão política em Angola e apelado à imediata libertação dos jovens detidos, mas não o fez. E não o fez porque apenas um partido (Bloco de Esquerda, que foi quem levou a proposta ao plenário) e um deputado socialista votaram a favor. Todos os outros deputados, de todos os outros partidos, votaram contra.
As mesmas pessoas que representam movimentos partidários declaradamente a favor da liberdade, promotores dos valores do 25 de Abril e da democracia e que, em muitos casos, tiveram um papel activo na luta contra a ditadura, escolheram o silêncio e a negação de uma situação tão grave como esta. Cambada de hipócritas, são as palavras mais leves que me ocorrem.
Vão dizer-me que sou ingénua. Que é óbvio que ninguém se atreve a fazer frente ao gigante Angolano. Que o dinheiro e o poder económico é que controlam o mundo. Isso eu sei, todos sabemos. E por isso mesmo é que é preciso denunciar, fazer barulho, como disse a Aline Frazão na sua crónica no Rede Angola. Não nos remetermos ao silêncio.
Na Europa não temos uma ditadura como em Angola. Na Europa elegemos os nossos governos e somos livres de expressar a nossa opinião. Houve guerras e revoluções para derrubar ditaduras. As ditaduras, porém, continuam a exercer poder. E cuidado, porque o que temos vindo a assistir ultimamente nesta nossa velha Europa assemelha-se perigosamente a um poder totalitário dos mercados e do capital. A forma como os governos são manipulados e corrompidos pelos interesses da banca privada, dos grandes mercados e multinacionais é gritante e, mais uma vez, há muito quem não veja. Ou porque olha para o lado, ou mesmo por falta de vista.
Quer dizer: compactua-se com regimes totalitários e déspotas, desde que com isso se colham benefícios; dentro de casa, porém, convém manter a fachada da Europa democrática e solidária. A muito custo, ainda assim: nunca esta esteve tão em risco de cair como na forma descarada com que o poder central europeu tentou interferir com o exercício da democracia na Grécia. Mas mesmo assim (incrível) há muito quem não veja.
Enquanto permanecermos alienados e cegos vamos perdendo direitos fundamentais que levaram anos a conquistar e, em vez de nos solidarizarmos, apontamos o dedo e desprezamos quem ousa confrontar e desafiar a tirania dominante. O que é preciso acontecer para acordarmos?
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