quinta-feira, março 17, 2022

Minha querida Marilena


 

Ando aqui às voltas à cabeça, a tentar lembrar-me da última vez que te vi. Parece mentira, mas passaram três anos: no lançamento do meu livro de poesia Aves Migratórias, em Lisboa. Por mais que tente, não consigo lembrar-me do momento da nossa despedida, mas estou certa de que te dei um grande abraço, e isso já me serve de consolo. A última vez que almocei em tua casa, então, foi há sete anos, no verão de 2015. Parece que foi ontem. Todas as vezes, foram sempre ontem.

Aqui em Inglaterra, os velórios são um pouco mais animados do que aí (tenho para mim que esta é a segunda coisa em que os ingleses nos superam, depois da alternativa ao passevite - só tu poderias entender esta piada, pois estou certa de que eras a única que lia este blogue de fio a pavio). Põe-se música a tocar (normalmente as preferidas do defunto), passam-se fotografias, há discursos dos mais chegados, que por vezes são quase palestras sobre a vida, sempre cheia, de quem partiu. Já assisti a dois, e saí sempre a ganhar, com um sentimento em tudo oposto ao que experimento nos velórios em que apenas se chora. Chorar é importante, claro; mas há tanto para lembrar de uma vida; porque não celebrá-la na última despedida? Havias de gostar. E ainda havemos de o fazer, nós, os que vamos ficando cada vez mais órfãos (como te entendo, Miguel!), uma homenagem dessas, a ti e a todos os que, desta nossa grande família, já se foram, e há-de ser uma festa de arromba. Como tu gostarias.

Vê bem, ressuscitei este blogue por tua causa, e agora faltam-me as palavras, sempre me faltarão para expressar a tua perda, porque, ao contrário destas, nunca me faltarás, tenho a certeza, continuarás a falar comigo pela eternidade, assim como a minha avó, o meu avô, o teu irmão Aníbal, a prima Natália, e tantos outros. Eras tu que sempre me pedia mais um post, mais um livro, querias ler ler ler tudo o que eu escrevia, nunca te cansavas, só da espera. Nem sei se conseguiste ler o último, Espécies Protegidas, até ao fim. Tomara que sim. Só tenho pena de não te ter enviado tudo o que aqui tenho, rascunhos, rabiscos, estórias de há séculos, incompletas, que ficaram a medrar, à espera de saírem da gaveta. Sempre acreditei que havia tempo. É um dos privilégios de se estar vivo, a fé na existência do tempo, ainda que tudo aponte em sentido contrário. A vida é uma grande ilusão, das que não queremos, nem por nada, desiludir-nos. Fica a promessa: tudo o que escrever de ora em diante, todos os que saírem da gaveta, serão para ti. Tenho a certeza de que os lerás.

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