sábado, julho 02, 2005

ERRAR É MAIS QUE HUMANO

Quando vemos um bebé a tentar mamar as primeiras vezes na mama da mãe, sem conseguir, ou a dar os primeiros passos, ou as primeiras gatinhadelas, ou a tentar fazer aqueles jogos de construções ou de encaixe ou os puzzles e outros quebra cabeças, ou quando ouvimos as suas primeiras palavras, ou melhor os primeiros sons, apercebemo-nos da importância do erro na vida humana. É que a maior parte do tempo o bebé gasta-o a errar, e a repetir o erro, ou melhor, a produzir variações do erro, até chegar ao resultado desejado. Mas esse resultado nem sempre é o mais importante, o que é verdadeiramente importante é o caminho percorrido até lá, é o ruído, o que aconteceu por acaso, por engano, em suma, o erro.

As principais aprendizagens da nossa vida fazem-se antes dos 3 anos. E essas aprendizagens são autênticos edifícios construídos por tentativa e erro, e que suportam os pilares da nossa estrutura durante toda a vida. É aí que aprendemos tudo sobre os afectos, sobre dar e receber, sobre as emoções, enfim, tudo aquilo que realmente importa. E por vezes o erro repetido traz tanta raiva e frustração que os bebés desatam aos gritos e atiram com tudo pelos ares porque não conseguem fazer certas coisas, perdem a paciência, choram... Mas é uma aprendizagem tão importante, lidar com a frustração! É que ela vai acompanhar-nos ao longo da vida, para onde quer que vamos.

Mas quando entramos para a escola, tudo muda. O erro passa a ser uma coisa má que é preciso a todo o custo evitar, uma marca a vermelho na folha de garatujas das nossas tentativas de aprendizagem. E passamos a fugir dele, a procurar aprender depressa, sem errar, ou melhor, errando ao mínimo. Como se isso fosse possível!

E assim se mata uma das coisas mais preciosas que as crianças têm: a sua espontaneidade, a sua naturalidade, que as leva a não ter medo de errar, a ser sempre sinceras e autênticas, mesmo nas situações mais embaraçosas!

Quem lê isto se calhar pensa que eu detestei entrar para a escola primária, que não gostei dos professores ou qualquer coisa do género. Engano. Adorei a minha escola primária e as minhas professoras foram espectaculares, aliás com uma delas ainda mantenho contacto até hoje. E guardo na memória os meus tempos de escola primária como muito, muito bons.

Mas eu se calhar tive a sorte de andar numa escola que não marcava os erros a vermelho e que não tentava eliminá-los a todo o custo.

O erro está presente em todos os aspectos da vida, sendo responsável por tudo aquilo com que a gente não contava, não previa, não esperava, e que vem enriquecer com essa fatia de inesperado tudo aquilo que nos rodeia. Senão vejamos:

• Numa investigação científica, a margem de erro é tudo aquilo que afecta o resultado de uma forma que não é passível de ser controlada, e, por conseguinte, impossível de determinar através dos meios da investigação. Por outras palavras, são todas as excepções à regra, tudo aquilo que não cabe no saco da generalidade, tudo aquilo que se afasta da média, do padrão, da normalidade, da maioria. É claro que podemos sempre ignorar esta fatia, a minoria, mas sabemos como isso pode propiciar uma visão redutora do mundo e deturpar a realidade, roubando-lhe aquilo que ela tem de mais rico: a sua diversidade, a sua pluralidade, o não sermos todos iguais nem atendermos todos à mesma “fórmula”.

• Na genética, o erro também aparece sob a forma de mutação de um gene ou de um conjunto de genes, completamente imprevisível, e que acontece amiúde. Quando se dá o milagre que é a união de duas células geminais (o espermatozóide e o óvulo) podem acontecer n mutações, durante o emparelhamento complicado dos cromossomas, desde alterações a trocas de material genético. Estes acidentes de percurso, estes erros da natureza, se lhe quisermos chamar assim, são responsáveis pela introdução de uma maior variabilidade e diversidade na espécie humana. Graças a eles, somos cada vez mais diferentes, ou ainda mais diferentes uns dos outros.

• E depois, temos o erro que acontece a toda a hora na nossa vida, o acaso, o imprevisível, o que não estávamos à espera, o que não estávamos preparados para viver, mas que sempre aparece e nos bate à porta e nós temos duas escolhas: ou ficar encolhidos na toca com medo de tudo o que é novo e foge ao que nos é familiar, ou arriscar e sair para a rua e abraçá-lo com firmeza, como a um velho (ou novo) amigo, e irmos com ele construir o nosso futuro, sem medo de arriscar, sem medo de não conseguir, sem medo de errar!

• E se olharmos bem para o mundo, chegamos à conclusão de que, afinal, o erro está em todo o lado e ainda bem! Porque não somos seres perfeitos nem acabados, somos seres à procura de um caminho, à procura de nós mesmos, e nessa caminhada há muito poucas certezas!

• E porque o mundo está longe de ser perfeito, e acabado, tal como nós, o erro, a incerteza são fundamentais para ajudar a construir um mundo melhor, onde as pessoas se aceitam como são, e convivam umas com as outras de forma mais pacífica, respeitando as diferenças de opinião, de credo, de cor da pele, de religião, de sexo, de opção sexual, enfim, de tudo! A diferença é uma coisa muito preciosa, porque é ela que nos define como indivíduos, o bebé começa por se definir por oposição, através da sua diferença e fazendo valer alto e bom som a sua vontade. Cada pessoa é diferente de outra e é isso que nos enriquece como indivíduos, como grupo, como espécie. E cada pessoa tem qualidades e defeitos, e é o conjunto disso que é aquela pessoa, por mais que às vezes nos apetecesse ter só qualidades. Todos nós somos bons e maus, heróis e tiranos, anjos e demónios. O tempo dos bons e dos maus, dos polícias e dos ladrões, é só isso mesmo – um tempo na nossa infância, em que o mundo se desenhava com uma paleta de apenas duas cores, o branco e o preto, e que aos poucos o conhecimento e a vida vão enriquecendo com novas cores e cambiantes.

• E depois, porque é que o erro tem de ser sempre mau? Se calhar as descobertas mais importantes da humanidade devem-se ao acaso ou ao engano! O erro dá-me a possibilidade de conhecer mais, de saber mais coisas, do que se acertar logo à primeira! Se acertar logo à partida fico apenas a conhecer um caminho para resolver determinado problema. Mas não fiquei a conhecer outros caminhos, nem atalhos, que não dando directamente acesso ao resultado esperado, me levam a outras paisagens, outras perguntas, outros pontos de vista. O erro desperta a curiosidade: porque é que assim não chego lá? Porque é que assim não consigo? O que preciso para conseguir? O erro faz-me pensar, abre o meu pensamento para aceitar outras respostas, diferentes das minhas certezas.

• A frustração é essencial à vida. Se a mãe atendesse sempre prontamente ao choro do bebé, não o deixando experimentar a sua ausência (e para a mente de um bebé não há pior erro que a ausência da mãe!), não o deixando sentir a frustração de não ser imediatamente consolado, estava a impedi-lo de crescer, de pensar, de sentir. Porque é a falta daquilo que nos faz falta que nos dá a consciência do que nos faz falta, do que queremos, de quem somos, e por aí fora. Pois é, o pensamento começa devido a um erro, o erro de, por sermos humanas, não podermos acudir sempre prontamente ao choro dos nossos filhos (porque acreditam, se fosse humanamente possível era isso que todas as mães fariam, com a mania de quererem ser perfeitas! O que nos vale é que a natureza nestas coisas é sábia...)

Como mãe, farto-me de errar. E não tenho vergonha de dizê-lo. Acho que isso é uma das coisas que todos os pais e mães têm em comum: a capacidade de errar. E não tenhamos complexos, porque ainda bem que é assim. Porque as crianças, melhor que ninguém, sabem que ninguém é perfeito, e aceitam os nossos defeitos com a mesma paixão com que nos amam de corpo inteiro. É verdade, acreditem: os nossos filhos amam-nos como nós somos, e não como gostaríamos de ser. Não caiam na esparrela de quererem que eles não vos vejam os podres. Eles conhecem-nos, melhor que ninguém. E, o que é incrível, aceitam-nos. Porque o amor é assim, quando se ama alguém ama-se tanto o coração e a alma quanto as tripas. Sejam sinceros com eles, zanguem-se quando é preciso, gritem quando é preciso, peçam desculpa quando é preciso. Porque ninguém é perfeito, e eles sabem-no.

1 comentário:

Anónimo disse...

corre-nos o sangue nas veias

erramos
e damos por isso.

Pior é os que erram e não se apercebem sequer