domingo, julho 17, 2005

GREVE GERAL

Às vezes apetecia-me fazer greve geral à profissão de mãe 24 horas por dia. Poder dormir até às 4 da tarde, naquele sono pesado e ininterrompido por choros ou gritos de angústia ou um "mãããee" a meio da noite. Poder passar o dia na cama, se me apetecesse, ou ficar a ler um livro, ou sentada ao computador a tarde toda, sem estar constantemente a olhar para o relógio: "ai, que são horas do almoço! Ai que não descongelei nada! Ai, e o que vamos jantar?" Estou farta de lavar a loiça, e fazer almoços e jantares, e tornar a lavar a loiça, e arrumar pela centésima vez os brinquedos espalhados no chão, por entre gritos e ameaças de "se não me ajudam a arrumar esta pocilga não brincam mais hoje!", e aspirar a casa e lavar o chão e exasperar logo a seguir quando a carpete aparece pintada de pegadas de terra do quintal, e maldizer a minha vida cada vez que me sento para fazer alguma coisa, pois logo a seguir oiço, invariavelmente, uma vozinha: "ó mãe, quero água; ó mãe, sai daí; ó mãe, quero isto; ó mãe, quero aquilo"!

Às vezes exaspero com as lutas que tenho de travar quase diariamente à mesa das refeições: "come, está quieto, pára de balançar a cadeira, come! Não faças porcaria, não deixes cair comida para o chão, está quieto, e come!" Às vezes apetecia-me ficar o dia todo sem fazer nada, sem me preocupar com almoços e lanches e jantares, poder comer o que calhasse, um iogurte e uma sandes ao jantar, não ter horas para ir para a cama nem para lavar os dentes, nem estórias para contar antes de o sono vir, nem almofadas para aconchegar nem sonhos para velar.

Às vezes apetecia-me ser novamente só eu, eu e mais eu, como antes de eles nascerem, antes de ser mãe, antes de os ter na minha barriga, antes de a minha vida ter mudado para sempre com consequências irreversíveis.

Mas sei que é um desejo impossível, tipo querer que o tempo volte para trás ou que os mortos ressuscitem. Sei que mesmo que estivesse longe deles, havia de passar o tempo a olhar para o relógio e a imaginar o que estariam a fazer, e o meu pensamento havia de voar pelos céus em busca das suas risadas, e os minutos longe deles haveriam de parecer eternos, ainda que descansados e repousantes e até revigorantes ou excitantes. Isto para não falar naquele medo que se cola à boca do estômago, e será que estão bem?

Não, os rios não correm para trás, o tempo não volta, os mortos não ressuscitam. A nossa vida antes deles foi-se, e nós nascemos de novo, também, naquele dia em que os recebemos em cima da nossa barriga, cobertos de sangue e de líquidos vitais.

E é bom, pois é, é mesmo muito bom. Apesar de às vezes darmos em doidos.

1 comentário:

M disse...

Compreendo-te tão bem :)