HÁ 6 ANOS ATRÁS

Há 6 anos atrás estava eu com uma barriga enorme, do tamanho do mundo, a contar os dias e as pulsações. Há 6 anos atrás o verão parecia interminável, e o calor derramava-se num fio de suor fresco pela colina da minha barriga, como um rio a descer o mundo. Há 6 anos atrás o tempo dilatou, alteradas as hormonas e o sangue, e dentro da minha barriga enorme nadava o meu primeiro filho. Já lhe conhecia o sexo, o nariz e a boca, adivinhados a preto e branco nos riscos confusos do pequeno ecran de ultrasons. Já lhe conhecia o corpo e os contornos, em pontapés e borboletas esvoaçantes na sua dança diária. Já lhe intuia a calma e a serenidade, pelo modo como dormia embalado pelo meu andar. Há 6 anos atrás ficava parada nas tardes de sol, a amolecer o corpo, e as minhas mãos teciam diálogos tácteis na pele desperta da minha barriga, em altos e baixos e movimentos ocultos. Há 6 anos atrás já não tinha posição para dormir, nem para estar sentada, e estar de pé tinha o peso de toneladas de pernas e braços e placentas e líquidos amnióticos. Há 6 anos atrás estava sentada na espera ansiosa daquele momento mágico e doloroso, e o medo antecipado espreitava-me das esquinas, misturado como uma alegria e uma ansiedade curiosas de o ver nascer de mim. De dentro de mim. Da minha barriga enorme, que tinha o tamanho do mundo.