sábado, julho 09, 2005

LONDON BACK TO LIFE

No dia seguinte, as pessoas voltaram para o trabalho, apanharam o metro, o autocarro, como se aquele fosse mais um dia igual a tantos outros. Não era. E porra, pá, como eu as invejo! Palavra, eu não conseguia. Eu, que daqui de onde vivo nem o eco das bombas ouvi, eu juro-vos que não conseguia. Acho que ficava uma semana sem sair de casa. Uma semana ou mais, sei lá!

É claro que é uma estupidez. Porque, para já, um ataque terrorista em princípio não se vai repetir no mesmo sítio! É que o terrorismo é mesmo isso: o medo, a incerteza, apenas a certeza de que pode voltar a acontecer, não se sabe onde, não se sabe quando.

Porque é isso mesmo que aqueles cabrões querem: que o pessoal fique borrado de medo, fechado em casa, o que eles querem é espalhar o medo, o ódio, o sangue, a guerra. A Vieira do Mar é que disse bem: eles têm prazer, sim, têm prazer na dor, no sofrimento, no medo dos outros. É o espectáculo da morte, do sangue, do terror, que lhes dá tusa.

O que aqueles filhos da puta não sabem, é que o medo, além de gerar mais medo e ódio, e revolta, também gera solidariedade, compaixão, força e coragem. As vítimas sentem-se unidas por um sentimento de sofrimento comum, que rapidamente dá lugar à mais profunda empatia, à entre-ajuda, ao apoio mútuo, e os sobreviventes erguem-se dos escombros com uma nova força e um novo sentimento de união.

E foi essa coragem que vi estampada nos olhos das pessoas que, no dia seguinte, voltaram ao trabalho. À vida. E, estranhamente, senti-me uma delas, apesar de achar que não tenho a mesma coragem. Mas o exemplo delas deu-me força. Porque é assim que se combate o medo, olhando-o nos olhos, enfrentando-o, e apesar de nunca o conseguirmos de facto vencer, aprendemos a viver com ele, como nosso aliado. É isso que os cabrões dos terroristas não têm. Coragem de encarar as suas vítimas, olhos nos olhos. Coragem de dar a cara e os braços pelas merdas das causas que, segundo eles, justificam estes actos de loucura. Temos exemplos em todo o mundo de pessoas que lutaram debaixo de ditaduras pela liberdade, por ideais de justiça e igualdade social, contra o obscuratismo da repressão, e sempre a favor da vida, e sempre tendo a vida como o valor mais alto e inquestionável. Porque essa, sim, é a verdadeira luta. Pela vida, por uma vida melhor.

Mas estes panascas da merda estão-se cagando para a vida. É a morte que os move, a morte, o ódio, a raiva cega e irracional. Dentro deles não há espaço para a compaixão, para o amor, para a vida. A vida é o valor mais baixo na sua escala. Onde eles cagam em cima, com o orgulho sádico da besta.

Ontem, quando ouvi os testemunhos daquelas pessoas que apanharam o autocarro e o metro para o trabalho, apesar do medo, senti-me ao lado delas. E, estranhamente, senti-me em casa, neste país onde estou há 7 meses e sempre me senti uma estrangeira. É esta capacidade de união, de solidariedade entre as pessoas, que eu espero que cresça no coração de todos nós. E que este nós sejamos todos, as vítimas directas e indirectas, todos os ingleses mas também todos os imigrantes que aqui vivem, e também todas as pessoas do mundo que aqui não vivem, mas que sentem de forma igual.

Porque é esta capacidade de sentir que nos torna únicos, como humanos.

(Mas não tenhamos ilusões: também houve, há e sempre haverá muitos destes filhos da puta sentados em postos governamentais, alguns até chefes de estado, de gravata e paletó, com máscaras de normalidade, perfeitamente adaptados, com discursos (in)coerentes, integrados na máquina do poder politicamente correcto (e tantas vezes incorrecto) que lhes cobre a retaguarda... e a verdadeira face!)

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