Ainda me lembro da primeira vez que vi o David a brincar, no parque, com outra criança. Foi depois de muitas manhãs de tristeza, em que o deixava na fila de meninos prontos para entrar para a sala, e ao afastar-me, depois de o ver entrar, sempre de cara voltada para o chão, às vezes só tinha vontade de chorar, tal era a tristeza que adivinhava no andar dele. Tinham sido as férias da páscoa, e quando chegou a altura de voltar para a escola foi como se a alegria que já começara a despontar nas correrias matinais pelo recreio tivesse de súbito recuado, de novo tímida, como as pétalas de uma flor que se retraem com medo da luz do sol, mal o botão acaba de abrir. O meu filho já estava a começar a abrir, como uma flor, já começava a lançar os braços para o mundo e a tactear a novidade com as mãos, a dar os primeiros passos incertos numa caminhada desconhecida e a emitir as primeiras palavras de uma língua estranha, como um peixe do rio a aventurar-se no mar alto que de súbito tem de reaprender a nadar devido à força de novas correntes marítimas que o empurram em direcções nunca antes sonhadas.
Era como se as férias, aquele tempo afastado da escola, tivesse feito com que tudo andasse para trás. E cada manhã era uma nova luta, e uma tristeza confrangedora. As queixas recomeçaram, "Mãe, dói-me a barriga, hoje não quero ir à escola..." Sair de casa de manhã tornou-se pesado, triste, e o rosto dele fechado, inconformado, fazia-me temer que alguma coisa estivesse mesmo a correr mal, que alguma coisa se tivesse partido, sem remédio, que a sua confiança estivesse demasiado abalada pelo esforço demasiado que tal empreitada acarretava. Porque afinal de contas ele tinha saído do país onde nascera, e onde sempre vivera, e aterrado num país estranho, onde ainda por cima se falava outra língua, e de repente já estava numa escola nova, com meninos novos, professora nova... e, claro, sem perceber nada do que as pessoas diziam.
Lembro-me de pensar que ele nunca mais tinha brincado como em Portugal, em que cada saída ao parque representava um novo amigo, em que metia conversa com toda a gente e com todas as crianças, em que o lago onde nadava já estava cheio da sua alegria e da sua energia, e cada vez que ele falava na escola de Portugal e nos amigos que deixara partia-se-me o coração ao recordá-lo no recreio, sempre a brincar, sempre a correr, sempre com um sorriso nos olhos e na boca...
E então aconteceu. Estávamos no parque, e para além de nós só havia outro menino com alguém que devia ser a avó. Enquanto vigiava mais atentamente o Diogo nas suas subidas e descidas no escorrega, via pelo canto do olho o David a descer e a subir no escorrega maior, e o menino sempre atrás dele, e comecei então a ouvir aqueles gritos e aquelas risadas próprias dos miúdos quando brincam em conjunto. E olhei melhor. Não podia ser, mas era verdade. O meu filho estava a brincar com outra criança, que acabara de conhecer no parque. E, mais do que isso, estava a falar com ela. A falar, a rir, a correr, a saltar, com um sorriso de orelha a orelha na cara transpirada. E fiquei parada, a olhar, e a sentir cá dentro crescer qualquer coisa, nem sabia bem o que era, uma pequenina sensação de paz, de esperança, de confiança.
1 comentário:
Dei, também eu, um suspiro de alívio. Lindo David, isso é que é crescer :)
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