sexta-feira, setembro 02, 2005

A PROPÓSITO DE HISTÓRIAS MAL CONTADAS

Só ontem, já altas horas da noite, vi o filme da Diana Andringa que linkei no post aterior. Fiquei chocada. Eu, que aquando do acontecimento nem lhe dei aqui destaque, não deixei de andar em blogues alheios a ler versões do acontecido, cada uma diferente da outra, mas o tom era mais ou menos geral: não somos racistas, até nem temos nada contra a imigração de africanos para Portugal, os pretos podem perfeitamente vir para cá, até são pessoas trabalhadoras que descontam como nós e por isso devem ter os mesmos direitos, agora estes gangs, estes marginais, estes sim, devem ir para a terra deles, sé é para assaltarem e roubarem e perturbarem a ordem pública do nosso país, então aí sim, que vão para a terra deles, não fazem cá falta nenhuma. E nem se podem queixar muito da maneira como nós os tratamos, sim, hoje em dia até é bom ser preto em Portugal, podes roubar e assaltar pessoas à vontade, a polícia não te toca, vives em bairros onde ninguém se atreve a entrar (nem mesmo a polícia) e aparecem sempre esses gajos do SOS racismo e do bloco de esquerda a defender-te, e se alguém se atreve a tocar-te com um dedo é logo apelidado de racista e xenófobo.

Ora bem, vamos lá por partes. O crime é uma realidade em qualquer sociedade, e claro que deve ser punido, independentemente da cor da pele dos criminosos. Mas para haver crime é preciso haver factos. Os criminosos devem ser tratados todos da mesma maneira, claro, disso ninguém discorda. Já as mães, os pais, os irmãos, os filhos, os tios, os primos dos criminosos, a não ser que sejam indiciados de cúmplices do crime, não têm nada a ver com o assunto. Muito menos os vizinhos e as pessoas que vivem no mesmo bairro, muito menos as pessoas da mesma nacionalidade ou com a pele da mesma cor.

O que as pessoas não entendem é que não é preciso andar a bater em ou a matar pretos para se ser racista. O racismo pode até nem ter a ver com a cor da pele. O racismo é antes de mais uma atitude de discriminação, baseada em pressupostos como a diferença da cor da pele, mas pode ser também a diferença de religiões, se sexos, de exclusão social, a lista é interminável.

Quando tomei conhecimento das notícias sobre o arrastão, em Junho, a história logo aí me cheirou a mal contada. 500 pessoas a assaltarem outras na praia parecia um pouco inverosímil. Mas não estive lá, e a gente por princípio acredita naquilo que nos dizem. Que a televisão diz. Mas haviam coisas que não batiam certo. A notícia era de violência, assalto em grupo, terror na praia, e depois só haviam 3 ou 5 feridos? E as queixas? Afinal só tinham havido três assaltos? Ou um? Mas que diabo de história!

E onde estavam as testemunhas? Pois num acontecimento tão aparatoso, com a praia cheia de gente, devia haver pelo menos umas 50 pessoas (muito mais, até) a assistirem ou a serem vítimas do sucedido. Onde estavam elas, que não apreciam a dar o seu testemunho?

Agora, que tenho acesso à outra versão dos acontecimentos (há sempre uma outra versão, e ainda bem), vejo diante dos meus olhos a realidade: afinal um grupo de pessoas de cor de pele diferente juntou-se na praia, por acaso, e eram tantos (mas não 500, muito longe disso!) que as pessoas assustaram-se. O que é que fazem ali tantos pretos juntos? Boa coisa não deve ser. E daqui a pouco se calhar há sarilho. E se calhar até estão armados. sabe-se lá. Na dúvida, é melhor chamar a polícia. Nunca se sabe. Com tantos assim, todos juntos, o que poderá acontecer?

Mas não percebem que é isto o racismo? RACISMO!!! Sim, não tenham medo das palavras! Medo da diferença. Intolerância à diferença. Eles não são como nós, são marginais, são criminosos, são pretos, são o raio! Eles! É melhor chamar a polícia, porque com eles é preciso cuidado! O que é que eles vêm para aqui fazer? Não deviam ficar lá no ghetto onde vivem, e não virem para aqui, para esta praia, a nossa praia? Se eles estão aqui é porque estão a tramar alguma! Claro! É este o pensamento racista! Não percebem?

Nós não queremos que os criminosos deixem de ser punidos. Há criminosos entre os pretos, assim como os há entre os brancos. Há-os nos bairros degradados, assim como os há nos bairros da classe média e alta. Há-os sujos e mal vestidos, assim como os há de fato e gravata. Há-os nas esquinas das ruas, assim como os há sentados em secretárias, nos seus escritórios, e até em postos governamentais. Há criminosos de todas as classes sociais e de todas as cores. E todos devem ser punidos. Mas o que é urgente é que pessoas que não são criminosas deixem de ser discriminadas, apenas por terem a mesma cor da pele dos criminosos, ou de um grupo deles, ou por viverem no mesmo bairro e pertencerem à mesma classe social. O que é preciso acabar é com a exclusão social de que a maioria dos imigrantes são vítimas. Eu também sou imigrante, caramba! Estou neste país há 8 meses porque quis mudar de vida e porque infelizmente o meu país não me oferece perspectivas de futuro. Isso sempre aconteceu e sempre acontecerá em todos os cantos do mundo. As pessoas emigram porque não estão satisfeitas com a vida que têm, porque querem ter uma vida melhor, e têm esse direito. E se agora um grupo de portugueses começasse a assaltar em bando por aí, e as pessoas começassem a dizer, portugueses, voltem para o vosso país? Isso até aconteceu, mais ou menos, num passado recente: quando um português matou a mulher inglesa, e algumas famílias portuguesas foram agredidas depois dos acontecimentos. E em comum com o criminoso só tinham mesmo a nacionalidade. Que é quanto basta para atiçar a chama do racismo.

Mesmo que tivesse havido arrastão, com um grupo a assaltar pessoas na praia, apenas esse grupo de indivíduos é que poderia ser responsabilizado e punido. Não os outros grupos de jovens da mesma cor da pele que se encontrassem no local, mesmo que amigos ou conhecidos ou vizinhos destes.

E isto lembra-me outro assunto, o dos atentados em Londres e a morte do cidadão brasileiro no metro, supostamente abatido a tiro enquanto fugia à ordem de parar dada segundos antes pela polícia britânica. O dito indivíduo residiria num prédio que estava a ser vigiado e teria sido considerado suspeito por envergar um casaco com um certo volume. Foi seguido desde sua casa, entrou num autocarro, saiu, dirigiu-se ao metro e terá sido por essa altura que os agentes o mandaram parar. Começou então a correr, e foi abatido nesse momento. Mas depois surgem outros factos: afinal os agentes estavam à paisana e não se identificaram como polícias, e o homem fugiu porque pensou tratar-se de um assalto. Entretanto surgem novos factos á boca fechada, nunca passados nas televisões: o sujeito foi morto com 7 ou 8 tiros à queima roupa, sentado num banco no metro. Há testemunhas do facto. Os vídeos que supostamente exporiam a nú toda esta confusão nunca apareceram, sumiram-se. A polícia assumiu o erro, mas sempre com a versão de que atirou por todos os indícios os levarem a crer que se tratava de um homem-bomba. A versão da morte com tiros à queima roupa, estando o indivíduo sentado, não é a oficial, por assim dizer.

É claro que se o sujeito fosse mesmo um suicida e se accionasse a bomba antes da polícia fazer qualquer coisa, cairiamos todos em cima da polícia. Sei que isto é uma questão difícil e complexa para a polícia, e não estou a querer aligeirá-la. Acho que o dever da polícia é proteger os cidadãos e estou de acordo que situações como esta exigem medidas excepcionais em relação à segurança. Mas o que a polícia não pode (precisamente por ter este papel tão importante) é fazer de um simples suspeito um alvo a abater. A polícia tem de dar o exemplo, e tem de haver um extremo cuidado nesta situação. Não podem haver erros destes.

E não me venham com a história de que estamos em guerra, e que o inimigo é o terrorismo contra a democracia. O inimigo é (sempre foi) uns grupos de indivíduos que só têm em comum o prazer em matar, o atentado contra a vida, contra a humanidade. O imimigo são todos aqueles que atacam outros pelo prazer de matar, de fazer sofrer, de torturar. Há-os, sempre os houve, espalhados pelo mundo. Mas não são apenas essas caras que vemos nesses vídeos que a televisão divulga, a maioria deles muçulmanos, fanáticos de uma religião, outros com turbantes na cabeça, muitos ao lado de metralhadoras, e em campos de treino situados algures no Paquistão. Também os houve na Gestapo, nas SS de Hitler, em todos os campos de concentração, na PIDE e na tortura aos presos políticos, em todas as ditaduras e em todas as políticas em que matar se torna mão de obra para a indústria do armamento. E naqueles governantes de países poderosos que começam guerras com a desculpa de que é preciso erradicar o mal da face da terra, guerras que matam mais inocentes do que todos os atentados sofridos pelos países ocidentais nos últimos anos.

Não, não me venham com essa dos bons e dos maus. Os bons e os maus existem nas estórias para crianças. Só.

1 comentário:

Mãe Bisnaga disse...

De boca aberta. Eu não costumo ver noticias portuguesas, não tenho TV portuguesa e acabo sempre por nunca ver o jornal sequer online. Não sabia quase nada do tal arrastão. Tambem não sabia das reaccões racistas e xenofobas que ocorreram a seguir.

Tenho vergonha. Tenho vergonha que as pessoas que disseram o que disseram nesse filme sejam portuguesas.
Tenho vergonha porque já senti na pele os danos de mentes fechadas e já ouvi mais que uma vez "volta para o teu pais".

Pensei que pelo menos isso tinhamos melhor que certos paises que pensam que são melhores que outros.

E aquele "senhor" tambem se esquece de uma coisa... ser de cor não significa não ser Portugues. Há Portugueses de todas as cores. E pelo vistos ignorantes tambem.