domingo, setembro 04, 2005

CAMDEN TOWN


Já lá tinhamos estado, 10 anos atrás, sem filhos e com dois amigos com quem viémos a Londres por umas férias de duas semanas. E pode dizer-se que o cenário não mudou quase nada. Uma rua principal cheia de gente, onde as lojas se estendem até à rua, o passeio ocupado por camisolas expostas em cabides, t-shirts em festivais de cores vivas e desenhos góticos, expositores de sapatos, botas, ténis de todos os feitios, bancas com mochilas, malas, malinhas, bolsas, carteiras, anéis de latão, óculos escuros, bonés, gorros, chapéus, lenços de cores garridas, frasquinhos de conteúdos misteriosos, de cores diferentes, pozinhos mágicos, cheiro de insenso, lollypops de cannabis dentro de frascos, redondos e verdes, isqueiros e mortalhas e todo o tipo de tabaco para enrolar, pulseiras de couro, de garras afiadas, outras de picos e acessórios metálicos. O David apontou para os lolly verdes dentro dos frascos, "quero um chupa-chupa daqueles!", mas lá o convencemos de que aqueles não prestam e fazem mal à barriga. Na rua cruzamo-nos com todo o tipo de gente e de todas as cores. Peles claras com sardas, peles escuras, peles pretas, peles cinzentas, peles castanhas, peles ruivas, peles azeitona. Muitos góticos. É a zona deles, por excelência. Vestidos de preto, com múltiplos acessórios metalizados, os braços tatuados, cabelos vermelhos levantados em cristas de galo, cabelos verdes, laranjas, amarelos, azuis, todos num desafio indecente à gravidade, as orelhas furadas até à exaustão, numa profusão de brincos e piercings, também espalhados pelo resto do corpo. As mulheres ostentam, algumas, saias de dama do século passado, compridas, pretas, cheias de bordados e rendas, corpetes apertados, braços nus desenhados em todas as cores do arco-íris. As lojas de góticos também abundam, com as ditas vestimentas penduradas em escaparates, até ao tecto, visível toda a indumentária: desde os sapatos até às calças, camisolas, casacos, saias, tops, sempre pretos e com ornamentos vários, alguns parecem fatos para um baile de máscaras. Por cima das lojas sobressaiem figuras gigantes feitas em gesso e pintadas com cores sóbrias, por cima da sapataria dois ténis enormes, lado a lado, encimados por um bicharoco preto de muitas patas, uma espécie de escaravelho ou coisa parecida, e do outro lado da rua a palavra "TATTOO" em letras grandes sobre um fundo de chamas diabólicas.

Por toda a parte, no vidro das montras e das portas, em letras pequeninas, grandes, redondas ou rectas, lê-se "pearcings and tattoos". Há lojas só de acessórios, expostos até ao tecto e em bancas cá fora, no passeio: brincos, colares, pulseiras, cores festivas, metais brilhantes, pedras translúcidas em reflexos solares. Na rua as pessoas andam, passeiam, param, conversam uns com os outros numa profusão de línguas e gestos, riem, sorriem, gritam, esbracejam. Os cheiros acumulam-se no nariz, a rua, a gente, a barulho e confusão, a insenso e a pós mágicos, a essências misteriosas, a folha de tabaco, a fumo, e de vez em quando levamos com um bafo de cannabis fumada num charro clandestino. As ruas têm vida própria, movem-se e estalam, à luz do sol e dos olhares de tanta gente que por aqui passa. Do outro lado da rua espreita o Camden Market, um labirinto de ruas estreitas atafulhadas de bancas de roupa de todos os tipos e acessórios vários, como as que vemos no passeio, mas estas tão em cima umas das outras que mal sobra espaço para as pessoas andarem. Decidimos que não vamos por ali, com o carrinho do Diogo não conseguiremos passar da entrada, apesar da vontade de lá voltar, depois de 10 anos.

A maioria das pessoas que por aqui andam são jovens, alguns muito jovens mesmo, apesar do corpo aparentar idade mais avançada. Quase não se vêem carrinhos de bebés, o que é estranho nesta cidade, e durante um bom bocado somos os únicos a empurrar um, entre a multidão quase compacta. Mas depois lá surgem outros, empurrados por mãos jovens, crianças ao colo, agarradas ao pescoço dos pais. Gritos de choros fininhos ou birras a animar a festa.

Na volta a noite desceu sobre a cidade, subitamente, num crepúsculo sem cores e com alguma neblina. Paramos no Mc Donalds para comer qualquer coisa, vencidos pela gritaria do Diogo que não pára de chorar. Eles sentam-se à mesa, cheios de fome, "qué a minha comidinha...", o David devora tudo, o Diogo só as batatas (a única dentada na carne é acompanhada com uma careta!). Os pais comem uma salada ranhosa. E o David diz: "temos que cá vir mais vezes..." Está bem, abelha. Foi a primeira vez que eles comeram no Mc Donalds, senhores! É verdade, devemos ser uma espécie em extinção...

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