segunda-feira, outubro 03, 2005

OS ESCALDÕES, A CHUVA E AS RUGAS

Aqui há uns tempos dei comigo a rir sozinha em frente ao computador por causa de um comentário que alguém me deixou e que me fez lembrar do monte de coisas que senti quando cheguei a este país. Muitas dessas coisas já partilhei convosco, outras vou fazê-lo agora, com a preciosa ajuda da Ana.

Este país é realmente um país de contrastes e contrários. Vemos pessoas de todas as cores na rua, e de todos os tipos. Vemos pessoas bem vestidas, de gravata e fato, vemos pessoas de pijama, chinelos e roupão, porque não estão para mudar de roupa quando vão buscar os filhos à escola e moram mesmo ali ao lado... Vemos pessoas de calções e t-shirt em pleno inverno, crianças a ter aulas de ginástica à chuva, crianças de manga curta e pernas descobertas quando estão menos de 10ºC...

Os guarda-chuvas são uma espécie em vias de extinção. Quando chove as pessoas não apressam o passo, continuam a andar como se não sentissem os pingos de água. As pessoas andam à chuva, passeiam à chuva, conversam à chuva, imunes aos pingos. Aliás, num país em que chove tanto, a relação com a água é necessariamente diferente. As crianças chapinham nas poças de água perante o olhar distraído dos pais. Molham os sapatos e as meias com um prazer escancarado. Salpicam-se umas às outras e dão gargalhadas e ninguém parece importar-se. Confesso que até eu às vezes engulo em seco, pois sou daquelas que diz sempre, cuidado, não pises a poça! É claro que me lembro de adorar ir para o meio das poças de água, mas usava aquelas botas altas de borracha à prova de água! Lembro-me também da sensação de frio desagradável que se seguia quando por descuido ou de propósito lá punha um pé com uns simples sapatos dentro de alguma poça... mas estas crianças adoram ficar com os pés molhados!

Depois de uma chuvada pode muito bem abrir um sol incandescente, e lá continua a passeata. Os cabelos secam ao vento, as roupas permanecem húmidas, as faces brilham luminosas. Com a neve acontece o mesmo, as pessoas ficam com o alto das cabeças e os ombros dos casacos salpicados de branco. As crianças riem e correm a apanhar bocados de neve e todos festejam o espectáculo.

Dentro de portas geralmente está quentinho, e os casacos e as camisolas pesadas podem descansar no cabide, e o corpo fica livre, de braços sem mangas, debaixo de tecidos mais leves. Quando chegámos ficámos num quarto em casa de um casal de Nigerianos que punha o aquecimento no máximo, e dentro de casa fazia tanto calor que transpirávamos em bica, mesmo com o irradiador do nosso quarto desligado! Depois mudámos para uma casa com apenas um aquecedor no quarto, e como tal estava sempre um gelo, tinhamos de andar de casaco ou camisola de lã.

E de vez em quando lá apanhávamos os tais escaldões nas torneiras, principalmente porque nas primeiras casas onde estivémos não havia misturadoras e sim uma torneira para a fria e outra para a quente! Resultado: a mistura era quase impossível e explosiva! Ora escaldava, ora gelava. Agora já há uma misturadora, e já sei o truque: tenho de abrir um bocadinho (mesmo pequenino) da quente e um bocadão da fria! Mas de vez em quando lá apanho um escaldão! O pior é no banho, ninguém pode sequer puxar o autoclismo da casa de banho quando um de nós está no duche! E a água é tão quente que temos de abrir a torneira do lavatório ao mesmo tempo para aliviar a pressão!

Outra coisa impressionante é a quantidade de velhinhos impossibilitados de andar, que se deslocam numas motoretas e que assim vão para todo o lado! Vemo-los nas ruas, nos supermercados a encher os carrinhos (muitas dessas motoretas têm um cesto acoplado), às vezes parados no meio dos relvados a contemplar a vista, outras vezes na conversa com alguém. As pessoas não têm medo da velhice, nem de a mostrar, não se escondem em casa por causa de uma incapacidade física. É claro que os passeios são feitos a pensar nisso e quase todos os edifícios têm rampas. Mas também há obstáculos, não se pense que não! Muitas vezes também há carros mal estacionados e espaços minúsculos para as pessoas andarem. Mas eles lá andam, na sua vida, e nada os faz parar!

Assim como não escondem a gordura, as pessoas aqui também não escondem as rugas. Claro que isto das rugas é um problema essencialmente de mulheres, aliás, como a gordurazinha. Mas estas mulheres não têm medo de mostrar nem uma nem outras. E vestem-se bem, com roupas modernas, que lhes realçam as curvas de um corpo que já não é jovem mas que por isso não deixa de ser belo. Usam decotes que deixam ver colos e pescoços enrugados, e mangas que descobrem ombros, e estão-se nas tintas para o facto de a sua pele já não ser lisa nem perfeita, e têm sorrisos abertos que lhes embelezam o rosto ao mesmo tempo que definem ainda mais o desenho das rugas. E sim, quando for grande quero ser como elas.

1 comentário:

papu disse...

Mas olha que eu gosto mesmo das tuas descrições, acho que tens um óptimo sentido de humor, a sério! Acho que dava um bom blogue!

Bom, estou cá só desde Dezembro e essa do cup of tea ainda não tinha ouvido! É demais!

Mas Portugal também tem muitas coisas boas, tem de se dizer que é verdade! O problema é a política social ser uma anedota! Acho que este país, se é o que é, deve-o muito aos imigrantes, aliás eles sabem isso, é por isso que há tanto apoio à imigração.

Se me perguntarem o que preferia, é claro que preferia viver no meu país, só que depois ia comer com que dinheiro? Pois é... E, verdade se diga, começo a gostar de algumas (muitas) coisas da vida aqui. Acho que é normal. Primeiro é um choque, mas as coisas vão amelhorando, o sol começa a brilhar... (quando brilha).

Mas encontrar alguém português para mim é uma alegria (não precisa de ser português, basta ser brasileuro ou espanhol!) para poder falar um pouco da nossa amada língua!!! A sério, às vezes é passante dialogar com estes gajos! Falar português com alguém é das melhores coisas que pode cruzar o meu dia (sem ser em casa, que isso é todos os dias!) E ir à zona dos portugueses também é uma festa, entrar no café e beber uma UCAL com chocolate e comer uma bifana ou uma bruta sandes de queijo! Não há melhor, qualquer dia escrevo um post sobre isso!