quinta-feira, novembro 17, 2005

AFECTOS PROIBIDOS

É impressionante como a proibição e a imposição de limites por vezes andam confundidas.

Vem isto ainda a propósito da Escola de Gaia e da proibição dos beijos. O que acho incrível neste caso não é a imposição de regras, nem a definição de limites, necessários e imprescindíveis em qualquer organização. O que me choca profundamente é o carácter proibitivo da questão. Proibitivo, autoritário, ditatorial.

O segundo ponto que me choca é esta proibição estar associada a um comportamento de demonstração de afectos. Uma questão, como sabemos, de importância crucial na adolescência.

Durante muitos anos as crianças foram tratadas como adultos em miniatura (infelizmente, ainda há muita gente que faz isto). Desconhecia-se que os processos mentais das crianças eram diferentes dos dos adultos. Não se sabia que a forma de percepcionar o mundo era substancialmente diferente, que a personalidade em evolução tinha características formais e lógicas completamente distintas das da personalidade adulta. Durante muitos anos, as profissões ligadas à infância e a maneira de lidar com as crianças foram afectadas por esta ignorância, com prejuízo evidente para os mais pequenos.

Parece-me que em relação à adolescência se passa algo semelhante. A sociedade não ignora que os adolescentes sejam diferentes dos adultos, só que ainda não encontrou a maneira certa de lidar com eles. Parece-me que há uma certa confusão generalizada, ora se tratam os adolescentes como crianças grandes, ora como adultos subdesenvolvidos. Esta confusão talvez tenha alguma relação com a própria ambivalência desta fase da vida: por um lado o desejo de crescer e tornar-se autónomo (ser adulto), por outro a necessidade ainda de referências e o desejo de permanecer dependente, e o receio do futuro (continuar criança).

Os limites e a sua definição são indispensáveis ao crescimento, desde a infância. Os limites devem ser impostos com firmeza e determinação. Isto, ao contrário de reprimir a criança, dá-lhe uma noção clara do que é esperado dela e de até onde é que ela pode ir. Dá-lhe segurança e tranquilidade emocionais.

Na infância os limites devem ser claros e pouco ambíguos. Um não é um não. E muitas vezes temos de ser rígidos, e a proibição é uma hipótese ponderável, principalmente quando se trata de evitar situações que ponham em risco a segurança e a vida das crianças, quando estas ainda são demasiado pequenas para entender as situações.

Mas, à medida que as crianças vão crescendo, é desejável que as proibições sejam acompanhadas de algumas explicações. Isto ajuda a criança a entender as situações e a ganhar algum controlo interno. Aliás, é este o objectivo da educação, a longo prazo: que a criança aprenda por si, que adquira o auto-controlo, que se proteja a si mesma de situações de risco. Enfim, que não seja preciso estar sempre a proibi-la do que não pode fazer, mas que seja ela própria a fazê-lo.

Este é, deveria ser, repito, o objectivo de toda a imposição de limites durante a infância. É claro que o caminho é longo, a criança não vai aprender a auto-controlar-se de um dia para o outro. Na verdade, é um caminho que se prolonga pela vida fora, e que muitos adultos ainda não aprenderam! Normalmente, são estes adultos que mais apelam para as proibições e que mais autoritários são com os mais jovens. No fundo, limitam-se a seguir o próprio modelo interno, em que a proibição (definição de limites) tem de ser externa (imposta por alguém de fora). Normalmente, quem fez um percurso no sentido de uma progressiva aquisição de limites internos tem confiança na viabilidade e no sucesso deste caminho.

Na adolescência já é esperado algum auto-controlo. Os jovens já aprenderam os limites básicos e as regras básicas da convivência entre os seres humanos. Cada um tem a sua maneira própria de se relacionar e de exprimir os seus afectos. Cada um tem a sua opinião e a sua convicção em relação às regras vigentes. E estas têm de ser tidas em conta, se não queremos correr o risco de estar a educar em saco roto!

A adolescência é um periodo conturbado de mudanças sucessivas, no sentido de uma autonomia e identidade próprias. É um periodo de descobertas, também. De crescimento, de evolução. De afirmação, de busca de um novo papel social. De experimentação, de consolidação, de construção. Mas a adolescência não surge no nada. A adolescência já tem toda uma infância às costas. Já se formaram noções, limites, regras, aprendizagens, crenças, conceitos, afectos, vivências. E mais. A adolescência é o período de contestação, por excelência. O momento de por as regras em causa. De as questionar. De que outra forma podemos construir uma identidade própria, única, genuína? A adolescência é o período de busca, de procura de um sentido para a vida, de um sentido para as regras, de um sentido para o que já se aprendeu.

Os jovens são os primeiros a quererem regras, a afirmar a importância das regras e dos limites. Mas eles têm de ser ouvidos, têm de ser tidos em conta na elaboração das mesmas! Se queremos que os jovens interiorizem as regras não nos podemos limitar a impô-las: temos de os fazer sentir responsáveis por elas! Se eles não se sentirem responsáveis e não se identificarem com as regras vigentes, pura e simplesmente não vão cumpri-las! E então, depois, o que fazemos? Pomos uns polícias na escola para os obrigar a cumpri-las?

As escolas não precisam de polícias, nem de proibições. As escolas precisam da participação e da responsabilização dos alunos. As escolas precisam da voz e da autonomia dos jovens. As escolas precisam dos afectos e da presença dos adolescentes. As escolas precisam das mãos e dos braços, dos beijos e da energia da juventude. A escola não se pode divorciar da vida, nem da afectividade, nem da cumplicidade, nem da ternura, nem do riso nem das lágrimas. A escola tem de ser um espaço de encontro, de prazer, de crescimento, de alegria. Onde reinem valores como a dignidade, a privacidade, a entre-ajuda, o respeito, a tolerância. Onde haja limites e regras bem definidos, é óbvio. Limites e regras que não choquem com aqueles valores

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