segunda-feira, novembro 21, 2005

STREET MARKET

Ainda me lembro da primeira vez que lá fui. Tinha acabado de chegar, para aí há um dia ou dois. Era Dezembro, e o frio entrava pelos casacos e gelava-nos as orelhas mesmo debaixo dos gorros. Estava sol, porém. Um sol que espreitava por detrás de algumas nuvens cinzentas e que nos brindava com os seus raios luminosos.

Nessa altura, o frio e o desconhecido gelavam-me a alma. Lembro-me da viagem de autocarro até lá, o consolo do banco aquecido no corpo, os braços apertados pelo casaco e pelas camisolas e os meus olhos à espreita do vidro da janela lá de cima, do segundo andar do autocarro vermelho. Vi ruelas e becos, casas que mais pareciam caixotes amontoadas, umas em cima das outras, as paredes sempre do mesmo vermelho fogo sujo, os telhados sempre do mesmo escuro, as chaminés mortas, sem fumo. Vi quintais, ou melhor, alguns metros quadrados de terra arrelvada ou simplesmente de lama barrenta, alguns atafulhados de lixo e entulho, as cercas a separá-los feitas de pedaços de madeira colocados ao acaso, como num puzzle onde as peças há muito perderam a perfeição do encaixe. Os pátios à frente das casas igualmente sujos, lixo e mais lixo. A pintura em algumas paredes a cair de velha, a tinta a lascar, a madeira das janelas a apodrecer. De vez em quando abria-se um sorriso naquela paisagem igual, uma casa com flores nos beirais, as cores a acenar ao olhar, a entrada limpa, as cores das janelas e das paredes em alegre sintonia. Mas era a excepção, aqui e ali. O resto era desolação.

Então era isto? Algumas daquelas casas faziam-me lembrar barracas. Atravessámos ruas estreitas, sempre de casas baixas, as lojas com as portas abertas para a rua, a rua o prolongamento das lojas, a rua cheia de bancas com fruta e legumes e baldes de plástico e vassouras e penicos da Poundland (loja dos trezentos). E finalmente chegámos ao nosso destino.

Há uma praça cruzada por várias ruas onde se encontram uma grande quantidade de serviços administrativos e camarários, bancos, restaurantes, e uma infinidade de lojas. Há uma rua principal com trânsito condicionado que desemboca no mercado. Aí, encontramos toda a espécie de coisas: fruta e legumes a preços muito mais acessíveis que nos supermercados, flores, ganchos e fitas para os cabelos, todo o tipo de acessórios para cabeleireiro, luvas e gorros, carteiras e malas, mochilas de todos os tamanhos e feitios, vários tipos de roupa e calçado, desde casacos a camidolas, sweats, calças, calções, t-shirts estampadas, mantas e tapetes, toalhas turcas e de mesa, caçarolas, tachos e panelas, produtos de limpeza e detergentes e todo o tipo de produtos para as máquinas, molas para a roupa, relógios, candeeiros, óculos, tapetes para a casa de banho, brincos e pulseiras, anéis, fitas coloridas para os braços, porta moedas e bolsinhas para por ao pescoço, alfinetes para o peito, enfim, há de tudo um pouco.

Desse primeiro dia lembro o sol a encandear os olhos, o frio que rachava, as pessoas a andarem descontraídas de casacos abertos e cabelos ao vento, muita gente, muitas cadeirinhas de bebé com crianças já de 4 ou mesmo 5 anos, muitas cadeirinhas de gémeos com duas crianças de idades distintas (a maioria são amas que assim passeiam as crianças). Recordo os pregões dos homens nas bancas da fruta e dos legumes, uma cantilena surda e sempre igual que ainda hoje os meus ouvidos não conseguem decifrar. Recordo a pronúncia cerrada (o accent) nas conversas ouvidas e que me fazia crer estar na China e não na Inglaterra. Recordo o lixo nas ruas e a sensação de estar longe, muito longe de casa.

Desde esse dia já lá voltei muitas vezes. Gosto da agitação, das pessoas a passarem quase a correr, da barulheira da rua movimentada, do mercado, dos pregões, da gente a passar e a conversar, do cheiro a fruta, a legumes podres no chão, a confusão, os pregões, as vozes. E nunca mais olhei para aquelas ruas nem para as pessoas com os mesmos olhos. Hoje as luzes das lojas são-me familiares, e o ar que respiro já não me gela a alma. Apesar do frio.

7 comentários:

Tilangtang disse...

Naveguei um pouco pelos teus mais recentes posts e no mínimo temos duas coisas em comum: o signo e um Diogo!

papu disse...

Alex: é tão bom, tão bom ter-te de volta! Obrigada :)

Nascitura: bem vinda :)

Armanda disse...

É muito bom conseguir tornar nossa uma coisa que no início nos pareceu tão triste e fria.
Será que a Inglaterra já é um pouco a tua terra ?

Que giro! Eu também sou caranguejo!

papu disse...

Minha terra não diria... ;)
Acho q nunca o vou sentir... mas já me sinto muito mais em casa... Apesar de achar q nunca me vou sentir completamente em casa... é complicado, isto!

E bem vinda ao clube das caranguejas... :)

Pim disse...

Logo vi que só podias ser boa gente... Tenho duas caranguejas lindas tão perto de mim: a minha mãe e a minha irmã!!!

É curioso, mas as minhas primeiras sensações dos sítios que encaro pela primeira vez (não consigo evitá-lo) têm sempre um lado preconceituoso. Porém, às vezes, bastam dois ou três dias (por vezes, menos) para que, de repente, o meu olhar sobre a mesma coisa se transforme, quase sempre para melhor. Ao ponto de, na hora de regressar a casa, sentir, por norma, estranhas saudades das casas, das pessoas, das paisagens, das cidades, dos muros que ficam para trás...

Beijinhos grandes, papu!!! :=)

Paulo Silva disse...

Olá amiga.
Em primeiro lugar um abraço deste lindo PORTUGAL.
Obrigado pela visita,li os teus textos e adorei.
A partir de agora o teu blog vai ser um ponto de visita obrigatório.
BJOS.
PAULO SILVA.

papu disse...

Pim, está claro, os caranguejos são sempre boa gente ;)

O q dizes é verdade, mas no meu caso era agravado pelo facto de estar a ver pela primeira vez o sítio onde iria viver nos próximos anos... Não estava de visita, entendes? E não estava só: precisava de encontrar um cantinho para a minha família. Acho q acabei por encontrar. Apesar de tudo, foi (e ainda é) uma experi~encia positiva. Mas é realmente estranho olhar para trás e encontrar o primeiro olhar...

Paulo: bem vindo. Obrigada pelas palavras. Vem sempre que quiseres.