domingo, junho 11, 2006

SAUDADES DA INEXISTENTE FEIRA DO LIVRO


Já vi num ou noutro blogue algumas referências à Feira do Livro, e logo a minha memória saltou como uma mola. Tenho saudades da Feira do Livro, sim. Mas acho que tenho saudades de algo que já não existe, ou, pior, que nunca existiu de facto.

Tenho saudades de ir e passar lá a tarde, de regressar a casa cansada de correr e com os braços carregados de livros. Sim, ainda sou do tempo em que se compravam livros ao kilo na Feira, devido ao seu preço acessível para a maioria das pessoas normais (em termos económicos, claro está, o que em Portugal se pauta por uma referência bastante abaixo do que seria de esperar do conceito de normalidade, note-se). Hoje em dia, alguém nota diferença entre os preços praticados na Feira e nas livrarias? Será que andamos todos com falta de vista? Talvez, quem sabe...

Ir à Feira do Livro significava também encontrar montes de gente, da família, amigos, conhecidos que se tornavam amigos... Era quase uma festa. As pessoas encontravam-se, paravam para conversar longos minutos, riam, não tinham pressa... Ou será que isto só acontecia na minha imaginação de criança? É que olhando para o panorama actual custa um pouco a acreditar: as pessoas apertadas, deslocam-se em bando, lá vão conseguindo esticar a cabeça (as mais baixas) para conseguir ver os livros nas bancadas, com sorte compram um ou dois, para no dia seguinte praguejarem, pois nem repararam que nesse dia passariam à condição de livro do dia... E no meio disto tudo ainda conseguem encontrar amigos e conhecidos e rir e conversar animadamente, enquanto levam encontrões daqui e dali por outros visitantes que também eles querem andar e esticar o pescoço e quiçá encontrar alguns amigos...

Realmente... ainda ninguém se lembrou de mudar o raio do local da Feira? Porquê? Qual é a graça de andar a subir e a descer? Nos dias de calor aquilo mais parece a escadaria dos sacrifícios... sem degraus, claro está!

Mas aqui aparece novo problema... mudar para onde? Pois é, Lisboa é de facto uma cidade muito pouco amiga de si própria. Faltam espaços abertos, espaços verdes, grandes, onde as pessoas possam passear, sentar-se na relva, dormir a sesta, namorar, ler um livro... Pois na Feira do Livro alguém se pode sentar descansadamente a ler um livro? Aonde? A Feira precisa de mais espaço, espaço para as pessoas andarem e conversarem, para se sentarem se lhes apetecer, espaço para olhar e para ver, espaço para que seja um prazer lá ir e não um inferno menos mau do que ficar em casa em frente da televisão, porque ao menos sai-se de casa e apanha-se com ar na cara e até se encontram uns amigos, coisa rara hoje em dia para a maioria dos mortais que trabalha todos os dias das 9 às... (hora indeterminada). E também se compram uns livritos, poucos, que a bolsa não dá para muito.

Mas não é só de espaço que a Feira precisa. Precisa também de outro tipo de espaço, um espaço de encontro, de partilha, de animação. Pois não é o maior Evento Nacional sobre Literatura e Leitura? E o que é que lá se passa, para além de não sei quantas sessões de autógrafos e de alguns lançamentos de livros, que se contam pelos dedos da mão? Mas que interesse têm as sessões de autógrafos? Uma vez fui de propósito ao pavilhão da Caminho para receber um autógrafo de Manuel da Fonseca, escritor de quem li quase todos os livros de enfiada. Ele era uma figura simpática, um sorriso que lhe comia os olhos num rosto cheio de rugas e de cabelos brancos. O homem perguntou-me o nome, escreveu umas poucas palavras e deu-me um aperto de mão. Claro que guardei a recordação calorosa destes poucos minutos, mas qual o interesse destes encontros imediatos? Porque não promover encontros mesmo, entre o público e os escritores, conversas, mesas redondas, seja o que for? Mas em que as pessoas possam mesmo contactar, ouvir, falar sobre livros, sobre leitura, sobre literatura? Onde as pessoas possam estar, participar, enriquecer o panorama literário do país?

Como diabo queremos nós que as nossas crianças e jovens se interessem pela leitura, se é este o exemplo que o próprio país lhes dá sobre o que deveria ser um grande Evento Literário?

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