quinta-feira, março 13, 2008

Indignações

Tenho seguido, no sapo e em alguns blogues, a polémica no sector da educação. A marcha da indignação. Também eu me indigno, e, não me interpretem mal, mas acho que tanto o ministério como os professores andam à guerra por questões que, não deixando de ser importantes, não são as mais importantes, aquelas com que tanto um como outros deveriam eleger como principais, fundamentais, centrais, para o sucesso da educação.

E que questões são essas, quanto a mim?

Faço outra pergunta: como é que é o ensino da matemática aí em Portugal? Ainda é como no meu tempo? É que se for, está completamente desactualizado. O ensino da matemática sofreu uma reviravolta, e hoje há métodos diferentes, mais simples e mais eficazes, que fazem da parte lúdica a sua metodologia central. É um método muito mais virado para a visualização espacial, o que ajuda muito na compreensão da representação numérica. Aqui todas as escolas o usam. E de vez em quando têem acções de formação para introdução de novas e mais adequadas técnicas, pois estas estão sempre a surgir.

Outra questão essencial quanto a mim é a aprendizagem da leitura e da escrita.
Ora, já não me lembra o dia, estava eu a falar ao telefone com a minha mãe, e estava ela a transmitir-me alguma preocupação em relação à escola e à professora da minha sobrinha, que tem seis anos e está no primeiro ano. Contava-me ela que, certo dia, estando a ajudá-la nos trabalhos de casa, tinha deparado com uma folha inteira cheia de pernas de "m" que ela tinha escrito, muito bem feitas, na sua opinião, e na qual a professora teria deixado uma mensagem, a vermelho, que rezava mais ou menos assim: não conseguiste fazer melhor.

Não conseguiste fazer melhor? Mas que raio de incentivo é este? Eu só queria que viessem aqui espreitar os cadernos dos miúdos do 2º ano, em alguns não se percebe uma única letra! E no entanto já lêem, e são estimulados, encorajados, incentivados, elogiados nas coisas que fazem bem e nos pequenos progressos que vão fazendo nas áreas em que têm mais dificuldade!

Bom. Depois seguiu-se a lição de leitura. E a minha mãe até tivera dificuldade em perceber aquele pequeno texto, sobre a letra "m", que leram juntas, e que era mais ou menos assim:

"O Manel ama o Mimo
O Manel mima o Mimo
O Mimo ama o Manel"

O Mimo, percebeu ela depois, era assim uma espécie de urso de peluche.

Mas, desculpem lá, o que é isto? São estes os textos com que é suposto as crianças aprenderem a ler? Meia dúzia de palavras, que em comum só têm o facto de todas terem a letra "m", e que juntas não fazem sentido nenhum? Ou fazem? Será que se vocês tivessem de ler uma porcaria destas, digamos assim, um livro de duzentas páginas cheio de pérolas deste género, chegariam à segunda?

Para se aprender a ler é preciso estar motivado. Ora esta motivação só acontece se as histórias, mesmo as mais simples, forem divertidas e interessantes. Mas isto não é básico? O inglês é uma língua muito menos rica que o português, e eu só queria que vissem as histórias com que os miúdos aprendem a ler, aqui. Com palavras e frases simples, mas com um conteúdo riquíssimo. Para a iniciação da leitura, às vezes basta ter um livro cheio de imagens, uma bola, um barco, etc, apenas com os nomes de cada uma. Não existe coisa mais simples. Mas até isso tem um sentido.

Os miúdos aqui aprendem a ler rapidamente, mesmo aqueles que são imigrantes e cujos pais não dominam a língua, mesmo aqueles cujos pais não têm um elevado grau de escolaridade. Miúdos que vêm de famílias onde se lê pouco ou nada, cujos pais têm o rendimento mínimo e vivem da ajuda de subsídios. Realidades que, noutro país, noutro contexto, quase de certeza gerariam dificuldades na aprendizagem.

Não estou a dizer que aqui não há dificuldades na aprendizagem. Há, e muitos casos. Mas o tratamento que é dado a esses casos é tão diferente de tudo a que estamos habituados! Acompanhamento individualizado nas áreas mais problemáticas, estímulo, apoio, incentivo, elogios nos bons comportamentos e nos progressos, atribuição de tarefas importantes à criança para aumentar o seu sentido de responsabilidade e o sentimento de ser valorizada, enfim, a lista é interminável.

Não são estas as questões centrais? Talvez não. Para mim, são. É aqui que tudo começa. São elas que deveriam preocupar e ocupar a agenda, tanto dos ministros e secretários, como dos professores e de todos os agentes ligados à escola.

2 comentários:

Tella disse...

Subscrevo.

Anónimo disse...

Minha querida, só para te deixar um BRAVO por este texto. Assisto por aqui às marchas indignadas dos professores enquanto, na escola da M., no 2º ano, a professora lhe diz que só os meninos que não têm trabalho em atraso é que podem ir à biblioteca. É de loucos. Ela tem muito "trabalho em atraso" (ao estilo dessas filas de M's) por isso chora por saber que nunca irá à biblioteca. Felizmente, no caso dela, tem o resto (a casa, a família, toda ela motivadora e amante de leitura). Imagino os outros...
Que saudades da CEBE.
Beijinhos
Margarida (Mi)