terça-feira, julho 08, 2008

Miragens

Sei que existem muitas coisas para lá desse muro.
Por exemplo, aquela angústia diáfana de quem se cruza com o tédio logo pela manhã.
É que, convenhamos, o tédio é algo que se instala como as ervas daninhas: quando damos por ela já não resta nenhum vestígio da antiga paisagem.
Como aqueles troncos de árvore, velhíssimos, quase sem vontade, enrugados, casca podre, escura, completamente carcomidos, quase ocos, quase loucos... E à superfície o abraço fatal da serpente de folhas verdes e generosas, tão generosas quanto venenosas.
São assim os abraços da juventude. Amplos, profundos, rasgados.
Penetrantes.
Lembram as sanguessugas agarradas às pernas de uma velha catedral humana. Secular.
E o sangue a escorrer das veias para as bocas ávidas, sem sonho que as alimente, ventosas ágeis que nos levam emprestados os braços e a vitalidade branca e terna que nos cobre a superfície da pele transpirada. Uma miragem do que fomos. Ou seremos?
Mas a luz da manhã não comporta o tédio. Não, o tédio derrama-se com o sol das duas da tarde a queimar as searas enlouquecidas pelo vento quente, tão quente que entra pelos ouvidos e queima, e entra pelas narinas e arde, e entra pelos olhos e chove em lágrimas de pura abnegação.
No fundo, o tédio é aquele monstro que se alimenta dos sonhos, e cospe os restos para o chão, por desprezo, por preguiça, por despeito sabe-se lá de quê.
E nós, meninos obedientes, lá vamos apanhar as migalhas. E somos tão estupidamente dóceis que até as deitamos no lixo. Lambemos o chão, se for preciso.
Ou não fôssemos apenas o que resta de um sonho. Filhos de um desejo moribundo.

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